Sabia que houve um tempo em que as matrículas em Portugal não podiam dizer 0CU? Ou que há, ainda hoje, pares de letras reservados aos militares? Soube–se nos últimos dias que, a partir de 2019, a sequência das matrículas vai tornar a mudar. O i foi à procura da história das chapas de identificação dos veículos. A história dos sistemas de matrículas portugueses é também uma história do desenvolvimento rodoviário do país, reduzindo as distâncias e aproximando as populações.
Por cá, tudo começou em 1901, quando a monarquia constitucional de D. Carlos i emitiu um diploma legal a obrigar a que todos os veículos automóveis tivessem uma placa com letras e números para os identificar: as matrículas de hoje.
O futuro As sequências para as matrículas dos carros registados em Portugal, tal como as conhecemos, estão a esgotar-se e é necessário fazer uma nova sequência. Apesar de as chapas se manterem iguais, as novas matrículas passarão a ter duas letras, dois números no meio e, a fechar, mais duas letras, a partir de fevereiro de 2019. Até lá, ainda se poderão matricular um milhão de veículos.
A mudança é inédita na história das matrículas em Portugal. Desde 1901, quando os primeiros veículos com matrícula começaram a circular pelas estradas nacionais, que as sequências tinham quatro números e duas letras.
Se ainda falta um ano até se proceder à alteração das matrículas, as críticas começam já a surgir. A Associação do Comércio Automóvel de Portugal afirmou em comunicado que a redução de 2,1% na venda de carros, em comparação com o período homólogo de 2017, é fruto de problemas na emissão de matrículas. “O mercado registou uma variação negativa de 2,1% no mês de janeiro, mas este resultado não reflete a atividade dos operadores, no período em causa, que se viram impedidos de matricular todos os veículos que pretendiam”, disse a ACAP. Para a associação, a situação deveu-se a um problema no sistema informático da Autoridade Tributária, limitando a “normal emissão de matrículas”.
O primeiro sistema As estradas do país ainda eram percorridas por poucas centenas de veículos quando o Estado português, então uma monarquia constitucional, sentiu a necessidade de publicar o primeiro diploma legal, de 3 de outubro de 1901, a definir as regras do Código da Estrada e a emissão de números de identificação dos veículos, as agora chamadas matrículas. Nessa altura, décadas antes da sua extinção, em 2011, quem emitia essas licenças eram os governos civis dos distritos.
A partir de 1901 passou a ser obrigatório os veículos terem na sua parte exterior – fosse frontal, traseira ou ambas – uma placa metálica com um conjunto de números e letras para serem identificados pelas autoridades em caso de acidente. Nestas matrículas iniciais, os veículos eram identificados com inscrições como LISBOA 23 ou LXA. 234, em ambos os casos quando matriculados em Lisboa.
Este sistema, pela sua conceção rudimentar, teve vida curta: não mais que dez anos. Assim, em 1911, na i República, o Estado decidiu criar um sistema de matrículas padrão a nível nacional. As autoridades dividiram o país em três zonas: Norte, Centro e Sul, sendo-lhes atribuídas sequências próprias com uma letra específica e, depois, um número de série. A-000 ou S-000 são dois exemplos desta nova sequência. A evolução foi mais lenta na Madeira e Açores, onde o sistema apenas foi implementado a partir de 1918, vigorando até 1962, quando os portugueses já tinham começado a ir “rapidamente e em força” para Angola.
O problema do número de automóveis em circulação no país obrigou, principalmente em Lisboa, onde as matrículas já iam nos cinco números, à mudança do sistema. O Estado Novo, liderado por António de Oliveira Salazar, avançou com um novo sistema a 1 de janeiro de 1937, criando as fundações para o sistema de hoje. Neste, as matrículas passaram a ser compostas por dois pares de números e um de letras, separados por traços: BB-34-23, por exemplo. Manteve-se a divisão por zonas.
Este sistema ficou, ironicamente, marcado pela defesa da “decência” pelo regime. Os grupos de letras CU e FD, que podiam ser lidos de outras formas, foram interditos aos condutores – não fosse a identificação dos veículos dar origem a palavras feias. O Opel Ascona foi, entre 1970 e 1974, vendido em Portugal sob o nome 160 por o seu nome se assemelhar a um palavrão que designa os genitais femininos.
O sistema de 1992 Ao contrário dos anteriores sistemas, o de 1937 manteve-se até 1992, mesmo que tenha tido de sofrer algumas alterações, como os veículos passarem a registar-se a nível nacional e autorizarem-se combinações com CU e FD, para se prolongar. Em 1992, a combinação AA-00-00 terminou, obrigando à sua inversão. Ainda assim, as grandes alterações foram a introdução da obrigatoriedade de as matrículas terem um fundo branco com carateres a preto e a “eurobanda”, com as estrelas da União Europeia e a primeira letra do Estado-membro do registo da matrícula. Em 1998, os registos foram obrigados a incluir uma barra amarela com o mês e ano do veículo, e, em 2005, a nova sequência terminou, sendo substituída por 00-AA-00.
Nem todas as sequências estão disponíveis para veículos civis. Ao exército estão reservadas as que começam por MG, ME e MX, enquanto para a marinha e Força Aérea são AP e AM, respetivamente. As matrículas diplomáticas são identificadas por terem carateres a vermelho e pela falta da eurobanda, e os veículos oficiais do Presidente da República por um fundo preto e o escudo nacional, além das letras PR. Em Portugal, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, não é possível personalizarem–se as matrículas dos veículos.