A Vanessa ainda é do tempo em que um homem sexy tinha pêlos no peito e uma mulher sexy tinha muitos pêlos naquele sítio onde agora quase nenhuma tem. Agora os homens depilam o peito (blheggg) e as mulheres passaram a viver em permanente pré-puberdade.
Quando é que as coisas deixaram de ser como eram? Não sabemos, aconteceu tudo rapidamente pelos finais do século passado e estendeu-se a todas as gerações. Ou a quase todas. A todas as mulheres. Ou quase.
Era preciso consultar um historiador da vida quotidiana no século XXI para perceber como tudo aconteceu, analisar o impacto dos rendimentos das profissionais de depilação brasileira para efeitos de PIB e fazer um estudo sociológico profundo, com recurso a inquéritos devidamente representativos, para averiguar como é que as mulheres que rejeitaram os corpetes no princípio do século XX – pelo seu uso significar uma tortura autêntica – se passaram a sujeitar 100 anos depois a uma nova tortura mais dolorosa. Não sei se estão a ver: uma mulher deita-se numa marquesa sem estar doente, e de livre vontade e pagando, pede que lhe arranquem com cera os pêlos que tem em zonas sensíveis. Uma sensação fabulosa!
– Acho que alguma coisa tem de ser feita!, disse-me a Vanessa um dia destes. Quem acabou com os corpetes tem que saber acabar com isto!
Mas as situações são distintas: os corpetes caíram em desuso quando as mulheres entraram em força no mercado de trabalho e a limitação de movimentos deixou de ser útil para a economia nacional – e muito menos os desmaios que aconteciam por causa das faltas de ar provocadas pelo aperto. No caso da depilação brasileira, a tortura não é permanente, é só de vez em quando, e as mulheres convencem-se de que gostam mesmo daquilo. E já que a sentença antiga «Parirás com dor» caiu em desuso por causa da anestesia epidural, as mulheres sentem que, tendo a sua espécie sido subtraída ao parto doloroso, têm sempre como alternativa recuperar a tradição feminina de resistência à dor – mesmo que seja de amarinhar pelas paredes – num qualquer gabinete mais ou menos estético.
– Mas não achas mesmo que se deve fazer alguma coisa?, voltou a perguntar a Vanessa.
– Oh pá, que coisa? Mas se as pessoas fazem isso de livre e espontânea vontade, se usam a sua liberdade individual para se sujeitarem ao ‘brasilian wax’, que é que queres que se faça? Uma manifestação? Um movimento anti-cera?
E então a Vanessa olhou para mim com aquele olhar matador que utiliza esporadicamente, ora para tentar fazer valer com mais empenho os seus pontos de vista, ora para, com mais eficácia e rapidez, engatar um gajo. Neste caso era para melhor expor os seus argumentos políticos anti-tortura feminina por causa da malfadada depilação total.
– Acho incrível a tua incapacidade de revolta, criticou-me a Vanessa.
Eu estou habituada a levar com críticas variadas. Assim como assim, nada de novo.
– Oh pá, mas cada um faz o que quiser.
– Mas tu não entendes que as mulheres fazem-no por causa de uma moda implacável que, como tantas outras que floresceram em séculos anteriores, urge ser travada?
A Vanessa queria promover um movimento Time’s Up contra a depilação total.
Não iria longe.
Os tempos estão longe de chegar.
Vai ser precisa uma geração para que a beleza dos pêlos púbicos nas mulheres e dos pêlos no peito dos homens seja recuperada.
Até isso acontecer, e citando Fernando Ulrich, presidente do BPI, «aguentem! aguentem».