«Os brinquedos dos dias de hoje são PC’s e telemóveis. As crianças já não brincam na rua. Permanecem imóveis, ligadas à máquina!»

Esta afirmação, do autointitulado Velho do Restelo, escrita numa das paredes da antiga Feira Popular em Lisboa, constata uma realidade: «Os brinquedos dos dias de hoje são PC’s e telemóveis. As crianças já não brincam na rua. Permanecem imóveis, ligadas à máquina!».

É bem verdade que nas grandes cidades as crianças já não brincam na rua, mas, nas cidades mais pequenas e nas aldeias, isto ainda acontece. E muitos são, felizmente, os que, como Fernando Pessoa, podem dizer: «Quando as crianças brincam / E eu as oiço brincar, / Qualquer coisa em minha alma / Começa a se alegrar.» As crianças continuam a gostar de estar ao ar livre, de brincar no pátio da escola, com uma bola de futebol, com um skate, com bonecas, com «bonequinhos» de coleção ou animais, à apanhada ou a outros jogos que implicam correr ou esconder-se.

No entanto, a falta de segurança nas ruas ou a perceção de falta de segurança que os pais têm, e a insegurança que os pais, muitas vezes, sentem acabam por não permitir que as crianças venham para a rua brincar. Também o urbanismo das cidades não cria condições para que as crianças tenham um espaço onde brincar e a dimensão dos prédios contribui para que, muitas vezes, as crianças do mesmo prédio não se conheçam.

Os horários escolares e a carga de trabalho que as crianças levam para fazer em casa também não lhes permitem dispor de muito tempo para brincar. A tudo isto acrescem as atividades que têm quando saem da escola – futebol, ballet, explicações, música e todo um sem-fim de compromissos que leva a que cheguem a casa já muito tarde durante a semana e tenham muito que fazer ao fim de semana.

Um outro fator que tem de ser considerado é o facto de muitas crianças serem filhos únicos, o que implica que não tenham em casa outras crianças com quem brincar. Ora, no pouco tempo que têm livre, sozinhas, fechadas num apartamento, acabam por brincar sobretudo com jogos eletrónicos, nos «PC's e telemóveis».

E, para os adultos, que tiveram mais liberdade na infância, que puderam brincar com vizinhos à tarde, que puderam ter a sensação de que o tempo, eterno, se tornava tão curto para todas as brincadeiras que queriam fazer – e sentiram, como Drummond de Andrade, que «O dia dura menos que um dia, / O corpo ainda não parou de brincar / e já estão chamando da janela: É tarde» –, para estes adultos a realidade das crianças de hoje é fonte de uma certa nostalgia. E não deixa de ser caricato ver crianças imóveis, «ligadas à máquina», como se aquele fosse o seu único ponto de ligação à vida e lhes garantisse a sobrevivência.

Apesar de as crianças passarem demasiado tempo «ligadas à máquina», esta realidade não implica que a maioria não tenha contacto com o ar livre (por vezes, com a natureza é que é mais difícil) e não brinque com outras crianças.

A realidade, como sempre, pode ser interpretada de diferentes perspetivas e o facto de as crianças já não brincarem na rua onde moram pode ser transformado apenas numa constatação e não num queixume amargurado. Até porque há sempre exceções…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services