Jantar solidário. Mezze cheio para ajudar a Síria sob uma chuva de bombas

O SOL esteve esta segunda-feira no restaurante Mezze, em Lisboa, onde está a decorrer um jantar solidário para angariar donativos para apoiar os ‘Capacetes Brancos’ – uma força civil de socorristas sírios que dão apoio em Ghouta Oriental

São 18h50 e a porta do restaurante Mezze, em Lisboa, já tem uma fila de espera grande. Quando o relógio marca as 19h em ponto, as pessoas começam a entrar. A pouco e pouco, o espaço começa a ficar cheio e, apesar de ser pequeno, tem um toque acolhedor que nos convida a entrar. Está decorado com cadeiras e mesas de madeira, candeeiros suspensos e, num ambiente minimalista, há ainda uma parede cheia de prateleiras brancas enfeitadas com quadros, garrafas e livros que faz a decoração do espaço. 

As mesas, que estavam apenas vestidas com pratos vazios, copos e talheres, começam a ficar completas com os convidados que se vão sentando, e o silêncio dá lugar ao barulho e à azáfama, começando o jantar. O ar está perfumado com o cheiro da comida oriental e o balcão está cheio de pratos típicos à espera de serem servidos. 

Na pequena cozinha estão duas senhoras já de meia-idade. Têm um lenço a tapar o cabelo. Cortam os ingredientes e trabalham afincadamente. Do outro lado do balcão, onde os empregados andam de um lado para o outro atarefados, está Alaa Alhariri, uma das trabalhadoras e também uma das fundadoras do restaurante. Tem 24 anos, é estudante de Arquitetura em Lisboa, veio para Portugal ao abrigo da Plataforma Global de Apoio a Estudantes Sírios, de Jorge Sampaio, e está cá há três anos e meio. 

Ao i, Alaa Alhariri conta que esta iniciativa de angariar fundos para ajudar os Capacetes Brancos – força civil de socorristas sírios que presta apoio e ajuda em Ghuta oriental – partiu da necessidade de terem de fazer alguma coisa para ajudar o seu país e as suas famílias. “Nós sentimos que há esta necessidade de fazermos algumas coisas. Não é muito comparado com o sofrimento de quem lá está, mas a nossa equipa sentiu que devia fazer alguma coisa. Mesmo estando longe, este é o nosso país. (…) Não há comida, não há apoios, não há nada.”

Com família em Damasco, tem o coração sempre apertado e muito medo do desfecho deste conflito armado que começou em 2011. “É muito ridículo porque, mesmo estando aqui, a minha cabeça está sempre a funcionar e a pensar no que se está a passar lá. Depois de sete anos, as conversas de guerra ficam muito ridículas. “Por exemplo, estava a dizer à minha mãe que hoje estava muita chuva em Lisboa e que não podíamos sair, e a minha mãe dizia-me que em Damasco também estava muita chuva, mas era de bombas”, desabafa.

Na noite de segunda-feira, dia em que o restaurante costuma estar fechado para o descanso semanal, a equipa trabalhou em voluntariado e a associação ofereceu os ingredientes para o jantar. A iniciativa teve bastante aderência, tanta ao ponto de não se descartar a ideia de agendar uma segunda edição. “Temos o restaurante totalmente lotado. Tivemos pessoas a mais e tivemos de dizer a quem queria reservas que não dava, pedir desculpa e mandar o link dos Capacetes Brancos”, explica Alaa.

Como surgiu o restaurante Tudo começou com uma simples pergunta. Como contou ao i Rita Melo, uma das fundadoras do restaurante e da Associação Pão a Pão, um dia, Rita, Alaa Alhariri, Francisca Gorjão Henriques e Nuno Mesquita estavam reunidos e, em conversa, perguntaram a Alaa de que é que mais sentia saudades do seu país, ao que ela respondeu: “O pão.” 

A ideia começou então a ser pensada e, como não havia nenhum restaurante sírio em Lisboa, surgiu o espaço que serviria para ajudar a integrar e acolher os refugiados no nosso país e ainda a ensiná-los sobre a cultura portuguesa, criando assim um negócio “com impacto social”, explica Rita Melo.

A Síria não está só presente nos pratos que cobrem a mesa, mas também nas pessoas que compõem a equipa: 15 dos trabalhadores são refugiados, dos quais 13 são sírios. Quando chegam a Portugal estão cerca de um ano a tentar integrar-se e, durante esse processo, têm aulas de português. 

Mário Carneiro, de 44 anos, é professor e tem trabalhado com a associação a dar aulas de português a quem chega. Esta segunda-feira foi um dos voluntários que se apresentaram no restaurante para participar no jantar de apoio a Ghuta oriental, juntando o útil ao agradável: comer os pratos típicos do Médio Oriente e contribuir para o que acredita ser uma boa causa. “Acho uma iniciativa bastante gratificante, tendo em conta a posição em que as pessoas se encontravam aqui há tempos. São pessoas fugidas da guerra que encontram um país que não é o deles, uma língua que não é delas nem a cultura e, no entanto, tiveram uma integração bastante positiva”, realçou. 

Mário defende que este tipo de iniciativas devem ser apoiadas e que “qualquer iniciativa que visa a integração destas pessoas na nossa sociedade é positiva”, porque eles acrescentam sempre algo de novo ao nosso país. “Somos um país preparado para esta diversidade cultural e acho de louvar esta iniciativa e outras que possam acontecer”, remata.

O jantar, que se dividiu em dois turnos – das 19h às 20h30 e das 20h30 às 22h -, foi organizado com o objetivo de ser um gesto simples para aqueles que mais precisam. As receitas vão reverter na totalidade para os Capacetes Brancos.

A ementa abria o apetite: mousakka, baba ganoush, houmous, kebsehm fatoush e espetadas de frango, acompanhados de sumo de tamarindo, vinho e água e, para finalizar, harissa, um bolo típico.

Nas últimas semanas, Ghuta oriental tem sido alvo de vários bombardeamentos e está a atravessar uma crise humanitária. No meio dos bombardeamentos já morreram mais de 600 civis, dos quais cerca de 100 eram crianças. No meio do conflito armado estão os Capacetes Brancos, uma equipa composta por 3400 voluntários de várias profissões que desde o início da guerra já salvaram a vida a 100 mil pessoas. E pelo menos duas centenas de voluntários terão morrido no conflito.