Uma das funcionárias do Departamento Central de Investigação e Ação Penal que trabalhou com o procurador Orlando Figueira garantiu hoje em tribunal que recebeu ordens deste para tratar com maior urgência o inquérito em que o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente estava a ser investigado pela compra de um apartamento no condomínio Estoril-Sol.
O dia estava reservado para ouvir Maria de Lurdes Lemos, ex-mulher de Orlando Figueira, e a funcionária do DCIAP Isabel Conceição, mas a primeira optou por não depor, pedindo apenas para fazer um esclarecimento, algo que o coletivo não autorizou.
Foram algumas as revelações feitas pela funcionária que trabalha naquele departamento do Ministério Público desde 2005 e que disse ter tido alguma “relutância” em tratar o inquérito 5/12, no qual se investigava Vicente pela compra do apartamento.
Segundo Isabel Conceição esse foi o único processo em que sentiu um comportamento diferente por parte do então magistrado, sendo que nos restantes nunca se apercebeu de nada mais estranho. E o que a chamou a atenção nesse caso foi a forma como a parte de Manuel Vicente foi separada no processo 5/12 – inicialmente investigavam-se várias pessoas pela compra de apartamentos naquele condomínio no 246/11 – e depois nos reparos que lhe foram sendo dados por Figueira a pedir um tratamento de urgência no cumprimento dos despachos.
Questionada pela procuradora Inês Bonina sobre se tal urgência era anormal, Isabel Conceição não hesitou: “No 246/11 não me lembro de ter sido muito diferente. No 5/12 notei, foi-me dito: ‘cumpra lá isso já que está em causa o bom nome das pessoas e o futuro das pessoas’. Isso não me dizia nos outros [processos]. No despacho final disse-me que queria que fosse rápido, no resto do processo também foi sempre a andar.”
Assegurando que por norma cumpria os despachos com a maior celeridade possível, sendo dois dias o prazo normal, a funcionária disse que neste caso tudo teve de ser mais célere, mesmo quando em mãos tinha coisas mais relevantes para fazer.
Referências a Vicente apagadas ao jeito do Face Oculta
Quanto às referências de Manuel Vicente que foram recortadas do processo, a ainda funcionária do DCIAP disse ter estranhado o despacho de eliminação de referências, admitindo que nem sabia como poderia cumpri-lo.
“Estranhei mais a extração de referências do que a devolução de documentos [a Manuel Vicente]”, disse a testemunha, adiantando que após conversar com um colega arranjou uma forma de cumprir o despacho de Orlando Figueira: “Foi na altura em que na televisão passaram imagens um processo de Aveiro [Face Oculta]em que se mostravam folhas recortadas. E pensei: Só se se fizesse desta maneira. Usei o o x-ato, mas também usei tesoura, usei os dois sistemas”.
Paulo Blanco ia com frequência ao gabinete de Figueira
Outro dos pontos altos do depoimento de Isabel Conceição foi a descrição do antigo advogado do Estado angolano e arguido neste processo Paulo Blanco.
Segundo a testemunha, o arguido ia com muita frequência ao DCIAP, tendo-o visto e ouvido várias vezes no gabinete de Orlando Figueira. Dizendo desconhecer se as suas entradas eram regulares, com registo na portaria, afirmou que o comportamento lá dentro fugia ao padrão: “O doutor Blanco colidia com a ideia que eu tenho de um advogado, que é ser mais discreto. Achava anormal dizer: Oh Cristina, já passaste a certidão? Dava a ideia de uma confiança e intimidade que não tínhamos”.
A terminar, questionada sobre se alguma vez tinha visto o advogado Daniel Proença de Carvalho no DCIAP, disse que não.