Hernâni Ferreira da Silva. Nascido em Águeda, na Venda Nova, no dia 1 de setembro de 1931. José Maria Pedroto considerou-o o melhor jogador de todos os tempos, Eusébio incluído, embora haja que dar o devido desconto ao seu bairrismo militante.
O Furacão de Águeda alcunhou-o a imprensa desportiva, sempre em busca de nomes sonantes que ilustrem as características mais sonoras dos ídolos da populaça. Diziam em Águeda os mais antigos que ainda existem (Hernâni morreu em abril de 2001) que era capaz de fazer com uma trapeira truques dignos do mágico Mandrake. Francisco Duarte, seu treinador nos juniores do Recreio de Águeda, levou-o à experiência ao Benfica e à Académica. A resposta repetiu- -se: “Como esse, há cá muitos!”
Não havia. Em 1950 vestia a camisola do FC Porto. Marcou mais de 120 golos, foi duas vezes campeão nacional.
Mas esta prosa vinha na sequência do FC Porto-Sporting que ainda há dias entusiasmou o país do futebol. E de um episódio preciso, impossível nos tempos que correm.
Em junho de 1953, o Sporting é convidado para uma digressão no Brasil.
Ainda estavam em Alvalade Vasques, Travassos e Albano (Jesus Correia saiu, obrigado a escolher entre o futebol e o hóquei em patins), Martins, Veríssimo, Rola (nascido em Estarreja, quase conterrâneo de Hernâni), Juca, Carlos Gomes e Galileu.
Mas os leões queriam viajar ainda mais fortes. Pediram emprestados dois jogadores. À época era mesmo assim, não havia inimigos, havia adversários e cavalheirismo entre eles. Viajaram com Mário Wilson (Académica), que já passara pelo Sporting, e Hernâni, jogador do FC Porto que fora emprestado ao Estoril por estar a cumprir serviço militar em Lisboa.
Derrotas Quatro partidas disputou o Sporting no Brasil. Estreia no Pacaembu, em São Paulo, frente ao Corinthians. Hernâni ficou de fora. Vitória (2-1) dos brasileiros, com golos de Luisinho e Baltazar contra o de Fernando Mendonça.
Dois dias mais tarde, no mesmo local, defrontou o São Paulo. A imprensa portuguesa descreveu, tristonhamente: “Os avançados – Hernâni, Vasques, Martins, Travassos e Mendonça – estiveram irreconhecíveis.” Dura, a defesa paulista, com Bauer no comando, controlou o jogo e o opositor. A derrota tornou-se pesada: 4-1. Mais um golo de Mendonça.
Seguiu-se o Olímpia, do Paraguai, sempre no domínio do Torneio Ribadavia. Um alívio: “Desta vez, os avançados do Sporting já puderam dar um ar da sua graça. Os portugueses foram os primeiros a marcar por intermédio de Hernâni nos primeiros instantes do prélio.”
Os paraguaios empatariam mais tarde.
Hernâni não só jogava de leão ao peito como marcava pelo Sporting!
O seu futebol era vistoso, repentista, sempre em velocidade, controlando a bola com a ternura inata dos dotados. O seu pontapé, seco, fulminante.
É talvez um injustiçado de cada vez que se traçam, por aqui e por ali, listas absurdas contendo a subjetividade dos que foram melhores. Ele foi, decididamente, um dos grandes no meio dos maiores.
Os responsáveis pelo Sporting sabiam–no bem. Perceberam que levá-lo ao Brasil contribuiria para que a equipa acrescentasse classe à classe infinita de Travassos, Albano e Vasques, três dos Cinco Violinos.
A despedida leonina deu-se na Vila Belmiro, frente ao Santos. Os portugueses estavam cansados – o Sporting disputara a Taça Latina dias antes de viajar – mas, ainda assim, o jogo foi espetacular. Seis-a-três para o Santos. Hernâni voltou a marcar. Travassos e Martins fizeram os outros golos.
Era tempo de regressar a Lisboa.
Hernâni fixou-se no FC Porto de forma definitiva, mantendo-se dez anos no clube das Antas. Tinha um feitio difícil, estoira-vergas, e arranjou algumas confusões, a mais famosa com o técnico Yustrich, em 1958, quando declarou: “Não estou para aturar as palhaçadas dele!” A cena acabou a murro.
Hernâni ficou. Yustrich, não.