Quantas queixas deram entrada no Ministério Público relacionadas com agressões físicas graves por parte de agentes da GNR, PSP, SEF, PJ e guardas prisionais nos últimos anos? Quantas deram lugar a acusações? Quantas e que sentenças foram proferidas? Estes são alguns dos dados solicitados pelo comité anti-tortura do Conselho da Europa no último relatório de avaliação entregue às autoridades portuguesas. O documento, tornado público esta semana, alerta para a elevada prevalência de alegações de maus tratos policiais no país. A quantificação do problema deverá, porém, permanecer uma pergunta sem resposta, já que os atuais registos tornam impossível fazer essa análise a menos que se analisasse processo a processo.
O SOL endereçou as questões colocadas pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) à Procuradoria Geral da República, sendo que o comité pedia dados para os anos de 2013, 2014, 2015 e 2016. Fonte oficial respondeu que «atendendo a que os inquéritos são registados por tipo de crime, não é possível fornecer dados com a especificidade pretendida».
Falta de registo por profissão
Não sendo feito o registo por profissão/categoria do agente, este será um dos temas para o qual o comité, que deverá tornar a avaliar estas matérias o mais tardar até 2021 – admitindo uma visita intercalar ao país – continuará a chamar a atenção. Julia Kozma, que chefiou a delegação que esteve em Portugal entre 26 de setembro e 7 de outubro de 2016, admitiu que, por agora, os sinais apontam para um nível de ocorrências acima do que se passa no resto da Europa, algumas com uma motivação racista. Em entrevista ao jornal i, Kozma diz que por exemplo a Inspeção Geral da Administração Interna está inundada em queixas. «E é preciso ver que nem todas as pessoas apresentam queixa, por isso, isto é só a ponta do iceberg».
Dados avançados pelo DN no ano passado davam conta de 187 queixas de agressões por parte das polícias submetidas à Inspeção Geral da Administração Interna entre janeiro e setembro de 2017. Já dados da Amnistia Internacional, citados no mesmo diário, referem que entre 2016 e esta semana foram recebidas 22 denúncias de violência policial por parte da GNR e PSP e 50 sobre falta de condições e violência nas prisões, outra das áreas focadas no relatório do comité anti-tortura. A delegação do Conselho da Europa alertou para o problema de sobrelotação nas prisões portuguesas e condições desumanas em algumas cadeias, por exemplo a falta de luz artificial, humidade e ratos no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL).
O Ministério da Justiça respondeu que as alas mais debilitadas no EPL já foram fechadas e a sobrelotação no sistema prisional português está a ser ultrapassada. Posição elogiada por Julia Kozma ao i, em oposição à do Ministério da Administração Interna. «Recebemos uma resposta da IGAI, respondemos-lhes a perguntar se era a resposta oficial do MAI, uma vez que não são competentes para dar essa resposta às questões preocupantes que encontrámos. Responderam-nos a dizer que era a resposta oficial e que tinham sido incumbidos pelo Ministério da Administração Interna, mas isso para nós não chega», lamentou a austríaca. «Ao contrário do que aconteceu com a Administração Interna, a resposta do Ministério da Justiça, com 27 páginas, deixou-nos com a impressão de que há uma forte consciência deste problema e que as pessoas estão a trabalhar para o resolver. Não dizemos que é possível resolver isto imediatamente, mas é um processo».
O relatório do comité pede esclarecimentos sobre o desfecho da investigação a seis casos sinalizados no decurso da visita ao país, entre os quais três situações de alegada agressão policial. Em causa por exemplo a detenção de um cidadão gorgiano agredido na cabeça com um bastão durante o interrogatório numa esquadra da PSP ou a detenção pela PJ do Porto em junho de 2016. «Um dos agentes bateu-lhe na cabeça com uma pistola, levando-o momentaneamente a perder a consciência». Só terá recebido assistência hospitalar dois dias mais tarde e a denúncia foi feita pelo médico.
O SOL pediu esclarecimentos sobre o estado de averiguação a estes casos, mas não obteve resposta. Numa reação pública ao relatório, o ministro da Administração Interna garantiu que as polícias portuguesas são agentes de afirmação dos direitos fundamentais. «Casos em que há indícios de práticas racistas ou xenófobas das forças policiais são investigados», assegurou Eduardo Cabrita.