Durante a fuga de mais de três semanas, Pedro Dias escreveu várias cartas dirigidas a Sara, a sua atual companheira, e aos seus filhos. Estes documentos, a que o SOL teve acesso, revelavam vários pormenores sobre os dias em que esteve a monte e as peripécias vividas durante a fuga às autoridades.
Numa carta dirigida a Sara, Pedro Dias recorda o dia em que se cruzou com uma patrulha da GNR de São Pedro do Sul. Quando foi mandado parar, não obedeceu. “A última vez que falámos ao telefone e disse que estava a ficar sem rede, já a Toyota azul descia a alta velocidade o lado oeste da Freita depois de ter sido recebido a tiro… Vinha eu a caminho de Arouca para te deixar 790 euros que tinha comigo e alguma explicação rápida para o que tinha acontecido… O que aconteceu a seguir já mais ou menos sabem: tentam apanhar-me no Candal (onde se comprou as vitelas) sempre ao som dos disparos, helicópteros e aviões”, recordou.
“Consigo escapar rente à noite entre duas patrulhas, muita chuva e confusão, os tiros são uma constante, a chuva é gelada e a altitude a 1.119 metros não ajuda”, acrescentou. “Tantas vezes me disseste que não precisávamos de muito, tantas vezes tinhas razão… Se te tivesse dado ouvidos não era hoje o sem-abrigo que sou! (…) Quando na véspera da operação do Gui [seu filho] vendi a alma ao diabo nunca pensei que ela a visse reclamar tão cedo e com tanta eficácia”!, escreveu.
Pedro Dias também escreveu aos pais a recordar a noite em que matou o agente da GNR Carlos Caetano: “Naquela noite que ainda é uma confusão para mim eu encontrava-me a dormir estoirado, como vinha a acontecer há algum tempo. De repente tinha mesmo de parar ou ia pelo monte abaixo, quando fui interpelado pela GNR e me disseram que eu estava a dormir num local suspeito!!! Bem o que veio a seguir já todos sabem. Nessa noite em que dormia na carrinha tinha pelo menos sete casas onde podia estar a dormir e no dia seguinte era um sem-abrigo”.
À espera do pior, Pedro Dias escreve até uma carta ao seu filho mais novo, Guilherme, dizendo-lhe que passará a ser o homem da casa: “Preciso que nos próximos tempos cuides da mamã pois ela vai amar-te sempre incondicionalmente, se a magoares ela ficará triste mas nunca te deixará de amar… O homem da casa agora és tu, cuida da mana e respeita o avô Zé Augusto, o avô Zé João, a avó Fá, a tia Marta e Rui, a Ni, o Ricardo e demais família, que é a única coisa realmente importante que temos na vida… Tenho provas disso que te posso mostrar quando fores maior”.
Pedro Dias não esqueceu a filha Maria, de 10 anos: “Cá estou eu a tentar ver a minha princesa por entre a confusão de polícias, das várias forças que guardam a casa dos avós, a quinta, a casa do pai de Sara, da Fatinha…). Nos primeiros 3, 4 dias ainda me passou pela cabeça que poderia ir viver para um país qualquer mas cedo percebi que não sobreviveria sem saber notícias de todos vós… amo-vos muito, muito mais do que a própria vida que tanto defendo nestes dias em que tantos ma queriam tirar. Podia ter-me entregue mas no princípio não mo permitiram e nos últimos dias também me deu um certo gozo que não soubessem do meu paradeiro e eu aqui tão perto”. E nas cartas que dirige a Maria, também prevê o pior: “Os próximos anos não vão ser fáceis… as visitas que te fazia vais ter que ser tu a fazer-mas agora, sempre que isso não prejudique os teus estudos. Vais ser os meus ouvidos, o meu nariz, a minha boca e os meus olhos para que eu possa ver o mundo cá fora através de vocês”.
Felícia Cabrita e Joana Marques Alves