Se há dois anos, quando Assunção Cristas foi eleita presidente do CDS, a dúvida era se ultrapassaria a personalização de Paulo Portas no partido, dois anos depois a resposta é positiva. Sim, Cristas já não é herdeira do ‘portismo’. Mas a sua resposta como fuga a esse legado foi a mesma com que Portas transformou o CDS num partido de Governo: personificou-o. Hoje, para os eleitores, não há CDS sem Assunção Cristas, mesmo que não tivesse havido Assunção Cristas sem CDS. O partido e a sua líder são um só, mesmo com os anticorpos que todas as personalizações – até a de Portas… – geram nas estruturas internas.
Cristas, no entanto, é diferente. E diferente por uma trindade de razões.
Em primeiro lugar, não quer saber do ‘aparelho’. Tendo vindo de fora, descoberta por Paulo Portas, abstêm-se das lógicas concelhias ou distritais, preferindo dinâmicas mais próximas à sociedade civil e aos independentes, que gosta ela própria de convidar.
Em segundo lugar, não quer saber de ideologia. Se Portas tinha uma flexibilidade que lhe permitia ir do euroceticismo ao europeísmo e recrutar conservadores e liberais com a mesma eficácia, Cristas não reproduz a dança nem sequer aprecia o musical. O discurso – assim como a moção que apresenta ao congresso deste fim de semana em Lamego – é propositadamente pós-ideológico.
Tal enraivece os mais ortodoxos da matriz democrata-cristã do partido, mas não é suficiente para gerar oposição interna digna desse nome. Há alternativas tímidas – ou comicamente unipessoais – e sonhos bastante realistas de alguns, mas contestação: zero. E porquê? Porque Assunção tem aquilo que um partido pequeno não costuma ter: resultados.
A anti-Rio
É esse o terceiro elemento que a torna uma exceção quando comparada a outrem. A ex-ministra da Agricultura tem, depois da arriscada jogada à Câmara de Lisboa, números para apresentar. Agora, os mesmos que diziam que vencer Teresa Leal Coelho não se tratava da mesma coisa que concorrer com um homem que já foi primeiro-ministro (Passos Coelho) são os mesmos que veem Rui Rio assumir que concorre para segundo lugar contra o PS – com quem gosta mais de dialogar do que fazer oposição.
Cristas não. Cristas é o contrário do agora presidente do PSD, e esse é outro balão de oxigénio que a eleva para reunião magna dos centristas, hoje aberta. A já referida moção é um hino ambicioso, que se projeta como maior partido do centro-direita, em jeito de pré-anúncio de candidatura a primeira-ministra.
Para isso, aposta em modelos de auscultação nacionais, como o Ouvir Portugal, popularizando o partido que tem ‘popular’ no nome. A criação de uma televisão, esta semana, é prova de que a aposta na comunicação – que fez das redes sociais protagonistas nas autárquicas – é para manter.
À espera de um deslize, – ainda que não torcedores de desgraças para o partido – há uma legião silenciosa de conservadores, num misto de jovens tradicionalistas com uma geração que poderá sentir-se ultrapassada pela frescura da equipa de Cristas. Aquele que os poderia liderar, no entanto, está ao lado da líder a reeleger este fim de semana.
Não somos equidistantes
Nuno Melo, cujo regresso de Bruxelas foi a inicial aspiração dos descontentes, apoia Assunção, tendo declarado Lamego como um congresso de «consagração».
A pluralidade dos seus vice-presidentes – da competência técnica de Cecília Meireles, à vertente mais liberal de Mesquita Nunes, para o conservadorismo do mencionado Melo – é um garante de estabilidade.
O facto de Paulo Portas – previamente ingrato para quem lhe sucedeu – ter vindo publicamente dar apoio a Cristas nas autárquicas de 2017 contra Fernando Medina foi outro sinal que assegura, ainda que simbolicamente, a continuidade antevista e mais que certa.
No tempo de pré-congresso, os vice-presidentes apressaram-se a esclarecer que a ambição eleitoral não se trata de uma aproximação ao centro-esquerda ou ao Partido Socialista.
Tanto Mesquita Nunes quanto Nuno Melo vincaram bem que o CDS «é oposição ao PS» e Melo foi até mais longe. «Não estamos equidistantes. Estamos muito distantes», salientou, relembrando a lição histórica que o excesso de proximidade ao centrão provocou ao partido: a sua maior derrota – no último consulado de Freitas do Amaral.
A ‘jota’ ao meio
A moção que tem motivado mais curiosidade além da assinada por Assunção é a da Juventude Popular, presidida pelo menos pós-ideológico Francisco Rodrigues dos Santos.
Numa ‘jota’, curiosamente, também bem personificada, Rodrigues dos Santos tem ganho destaque com prémios internacionais e presença mediática. Ao congresso sugere um partido entre o «pragmatismo» – eleitoral, entenda-se – e os «valores» (os originais, claro). Mantendo-se no meio, entre a ambição de quem está, e os dogmas de que alguns sentem falta, o jovem advogado espera, como todos, por 2019.