As portagens da Ponte 25 de Abril geram anualmente cerca de 40 milhões de euros em receitas, que revertem para a concessionária, mas será o Estado a assumir a despesa de 20 milhões de euros com as obras que deverão arrancar no final do ano, dada a degradação estrutural sinalizada pelo Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) e pelo LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Por que é que não é a Lusoponte a pagar?
A pergunta surgiu depois de virem a público os alertas dos peritos, revelados pela revista Visão, e já foi feita formalmente ao Governo pelo Bloco de Esquerda. Ao SOL, o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas respondeu remetendo para uma alteração feita ao contrato da concessão da travessia do Tejo em 2001. Foi precisamente nesse ano que a Lusoponte deixou de ter qualquer contribuição financeira nas obras de fundo feitas na 25 de Abril. E é possível recuperar as razões nos atos publicados então em Diário da República.
Até então, a concessionária rodoviária – que entretanto passara a dividir a concessão da ponte com a Fertagus, que tem a parte da ferrovia e também não tem responsabilidades financeiras em obras de fundo – contribuía anualmente com 2,250 milhões de euros para a manutenção da Ponte 25 de Abril, isto de acordo com 2.º contrato de concessão de 1995 feito a propósito da construção da Vasco da Gama (neste contrato, anterior ao euro, a verba anual fixa especificada eram 450 milhões de escudos, lê-se no documento no site da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP).
No caso da Vasco da Gama – a segunda travessia do Tejo inaugurada em 1998 – a Lusoponte foi responsável pela construção e desde sempre assumiu a manutenção estrutural (é esse, aliás, o fim das portagens da travessia mandada erguer por Salazar). Ao assumir a 25 de Abril, essa nunca foi uma incumbência da concessionária, responsável apenas pelo pavimento rodoviário, sinalizações, vedações e outros aspetos não estruturais. A estrutura era uma responsabilidade do Estado, através da Estradas de Portugal, que viria a dar lugar à atual entidade gestora Infraestruturas de Portugal (IP).
Ainda assim, até 2001 havia então um contributo financeiro que poderia ajudar a financiar obras como as que agora terão lugar. A mudança no contrato que revogou essa contribuição começou a desenhar-se em negociações iniciadas no ano 2000 e resultaram em alterações muito próximas no tempo no Governo de António Guterres, processo que inicialmente tinha Jorge Coelho no lugar de ministro do Equipamento Social. Depois da tragédia de Entre-os-Rios, a pasta seria assumida por Ferro Rodrigues, que junto com o ministro das Finanças Joaquim Pina Moura assina em 2001 o acordo que, entre várias matérias, desobriga a Lusoponte de comparticipar a manutenção da estrutura da ponte, ficando apenas com as despesas na componente rodoviária.
Em causa está um acordo de reequilíbrio financeiro por força de imposições unilaterais do Estado, nomeadamente relativamente à política de portagens, que era vontade do Governo que continuassem sempre a ser mais baixas na 25 de Abril do que na Vasco da Gama, dado que a primeira tem um uso mais urbano. Ficou na altura definido que assim seria até ao final da concessão (embora com atualizações) e formalizou-se a não cobrança de portagens em agosto. Entre as contrapartidas para não continuar a haver sucessivos acertos nas contas, além do fim da comparticipação das obras, esteve a extensão da concessão por mais dois anos, passando de 33 a 35 anos – termina em março de 2030.
Contrato poderá ser revisto no futuro?
Entretanto o SOL sabe que já houve outras alterações pontuais ao contrato, mas a Lusoponte não tornou a ter obrigações em reparações sistémicas.
A construção do aeroporto do Montijo, na medida em que aumentará o tráfego entre as duas margens do Tejo, poderia pesar a favor do Estado numa eventual renegociação de novas cláusulas. Por outro lado, já foi colocada em cima da mesa a construção de uma travessia do Tejo para servir o aeroporto e, para não ser a Lusoponte a ficar com essa ponte, o Estado poderia ter de compensar a empresa, caso fique provado que a nova exploração compromete o equilíbrio financeiro da concessão. Essa foi a conclusão de um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) revelado em 2007 sobre o contrato feito nos anos 90 entre o Estado e a empresa e que de certa forma blindou as travessias a jusante de Vila Franca.
O cenário é, porém, intricado: o grupo francês Vinci, que gere a Ana – Aeroportos de Portugal, é acionista da Lusoponte através da Vinci Highways.
Quanto aos danos na ponte amplamente noticiados na última semana, Governo, LNEC, IP rejeitaram qualquer perigo iminente. A libertação das verbas necessárias para a obra esteve ainda assim pendente seis meses nas Finanças e o CDS já chamou Centeno mas também o ministro das Infraestruturas ao Parlamento. Marcelo também apelou à tranquilidade: «Não sejamos alarmistas», disse.
Os quatro concurso públicos necessários para a intervenção serão lançados até 22 de março, indicou ao SOL a tutela. «Tendo em conta os prazos para este tipo de concursos, é expectável que haja obras no último trimestre do ano».
Embora os peritos tenham recomendado que, caso não houvesse obras de imediato, poderia ser necessário suspender a circulação de pesados e comboios, para já, diz o Governo, «não há necessidade de qualquer medida de restrição da circulação». As fissuras na estrutura da ponte foram sinalizadas há oito anos pelo ISQ e têm vindo a aumentar desde então.