Numa carta dirigida a Sara, Pedro Dias recorda momentos do dia do crime, a 11 de outubro de 2016. A GNR tinha sido chamada a uma ocorrência em Aguiar da Beira e, quando chegam ao local, deparam-se com Pedro Dias. Carlos Caetano é morto com um tiro na cabeça. O seu corpo foi colocado na bagageira do carro pelo seu colega, António Ferreira. Mais tarde, Pedro Dias também tenta matar este agente, e fica convencido de que não existem testemunhas. Mas António recupera as forças e consegue pedir ajuda a um outro agente que trabalha no mesmo posto. Pouco tempo depois, o fugitivo ataca Luís e Liliane Pinto numa estrada próxima, disparando contra o carro em que seguiam. O objetivo era roubar a viatura e não criar qualquer ligação ao crime que tinha acontecido momentos antes. Luís teve morte imediata, mas Liliane lutou pela vida – esteve em coma vários meses, mas acabou por morrer em abril de 2017.
Compras no Lidl
Convencido de que tinha morto as quatro pessoas, Pedro Dias dirige-se ao Lidl de São Pedro do Sul para comprar comida para alguns dias. Deixa-se apanhar pelas câmaras de vigilância e mostra-se sereno. No entanto, pouco tempo depois, é mandado parar por uma patrulha da GNR. Não obedeceu. Começa a caça ao homem. São estes momentos que Pedro Dias relata numa das cartas que escreveu a Sara: «A última vez que falámos ao telefone e disse que estava a ficar sem rede, já a Toyota azul descia a alta velocidade o lado oeste da Freita depois de ter sido recebido a tiro… Vinha eu a caminho de Arouca para te deixar 790 euros que tinha comigo e alguma explicação rápida para o que tinha acontecido… O que aconteceu a seguir já mais ou menos sabem: tentam apanhar-me no Candal [onde se comprou as vitelas] sempre ao som dos disparos, helicópteros e aviões», recordou.
«Consigo escapar rente à noite entre duas patrulhas, muita chuva e confusão, os tiros são uma constante, a chuva é gelada e a altitude a 1.119 metros não ajuda», acrescentou. No final, arrepende-se de não ter ouvido a sua companheira: «Tantas vezes me disseste que não precisávamos de muito, tantas vezes tinhas razão… Se te tivesse dado ouvidos não era hoje o sem-abrigo que sou! (…) Quando na véspera da operação do Gui [seu filho] vendi a alma ao diabo nunca pensei que ela a viesse reclamar tão cedo e com tanta eficácia!», escreveu.
O desespero era tal que a sua primeira ideia foi abandonar o país, como acabou por confessar a Sara: «A Síria era uma hipótese, o Egito e passagem para o Sudão outra… conheci relativamente bem o modo de atravessar as fronteiras terrestres e tinha alguns contactos que a troco de algumas centenas de euros facilmente me ajudariam a alcançar o pretendido…».
Mas Pedro Dias era demasiado apegado à família para se aventurar numa fuga para o estrangeiro. Determinado em manter-se próximo dos seus, seguem-se dias passados no meio da floresta, noites ao relento. O seu objetivo é conseguir manter o contacto com alguém que lhe seja próximo e que possa dar informações sobre a família: «[Como está] A Mariosca [a filha]? Quem morreu?», lê-se num bilhete escrito nessa altura. Para além disso, Pedro Dias conta com estas pessoas de confiança para o ajudarem a manter-se vivo. Faz uma lista com todos os mantimentos que precisa: um rádio portátil para se inteirar do caminho da investigação, relógio de pulso, um cartão de internet para um telemóvel desbloqueado, um rádio portátil, botas número 42, Aspirinas e Voltaren.
Pedro Dias também escreveu aos pais a recordar a noite em que matou o agente da GNR Carlos Caetano: «Naquela noite que ainda é uma confusão para mim eu encontrava-me a dormir estoirado, como vinha a acontecer há algum tempo. De repente tinha mesmo de parar ou ia pelo monte abaixo, quando fui interpelado pela GNR e me disseram que eu estava a dormir num local suspeito!!! Bem o que veio a seguir já todos sabem. Nessa noite em que dormia na carrinha tinha pelo menos sete casas onde podia estar a dormir e no dia seguinte era um sem-abrigo».
O esconderijo de Pedro Dias volta a ser comprometido com o aparecimento de Lídia da Conceição, a filha da dona da casa que o fugitivo ocupou para se esconder das autoridades. É sequestrada e espancada por Pedro Dias. Ainda tentou escapar e pedir ajuda – António Duarte ouviu os gritos da mulher e tentou ajudá-la, mas Pedro Dias estava determinado em manter-se fora dos radares da polícia: Lídia e António acabaram amarrados, cada um com uma batata na boca presa por um trapo.
Pedro Dias vê-se obrigado a fugir. No Opel de António Duarte, ruma a Vila Real, onde se refugia em casas abandonadas. Começa a pensar no futuro e alerta Sara para as mudanças que terá de fazer na sua ausência: «Entretanto vai pensando em mudar a declaração de IRS do Gui na escola, que agora a minha declaração não conta para nada».
Mas Pedro Dias não consegue manter-se longe de casa e, oito dias depois, decide regressar. É na casa da amiga Fátima Reimão que se refugia e começa a perceber que não pode passar muito mais tempo escondido. Começa a planear como irá entregar-se às autoridades. Mas antes tem de escrever aos filhos: Maria, de 10 anos, e Guilherme, ainda um bebé. A este último deixa uma missão: ser o novo homem da casa.
«Preciso que nos próximos tempos cuides da mamã pois ela vai amar-te sempre incondicionalmente, se a magoares ela ficará triste mas nunca te deixará de amar… O homem da casa agora és tu, cuida da mana e respeita o avô Zé Augusto, o avô Zé João, a avó Fá, a tia Marta e Rui, a Ni, o Ricardo e demais família, que é a única coisa realmente importante que temos na vida… Tenho provas disso que te posso mostrar quando fores maior».
Na carta que escreve a Maria, confessa que se manteve naquela zona apenas para tentar continuar próximo da família: «Cá estou eu a tentar ver a minha princesa por entre a confusão de polícias, das várias forças que guardam a casa dos avós, a quinta, a casa do pai de Sara, da Fatinha…). Nos primeiros 3, 4 dias ainda me passou pela cabeça que poderia ir viver para um país qualquer mas cedo percebi que não sobreviveria sem saber notícias de todos vós… amo-vos muito, muito mais do que a própria vida que tanto defendo nestes dias em que tantos ma queriam tirar. Podia ter-me entregue mas no princípio não mo permitiram e nos últimos dias também me deu um certo gozo que não soubessem do meu paradeiro e eu aqui tão perto».
E nas cartas que dirige a Maria também prevê o pior: «Os próximos anos não vão ser fáceis… as visitas que te fazia vais ter que ser tu a fazer-mas agora, sempre que isso não prejudique os teus estudos. Vais ser os meus ouvidos, o meu nariz, a minha boca e os meus olhos para que eu possa ver o mundo cá fora através de vocês».
Pedro Dias acabou mesmo por se entregar às autoridades, a 8 de novembro de 2016.
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