Pedro Dias. O rasto do sangue

A sentença que condenou Pedro Dias à pena máxima recorda de forma cinematográfica o trabalho minucioso da PJ da Guarda.

A densidade da prova fechou completamente o cerco ao homem que andou a monte durante quase um mês. O sangue que deixou no seu rasto conta a história daquela madrugada.

Recorde-se a saga escrita a vermelho vivo em terras beirãs. Eram 3h00 quando naquela terça-feira, 11 de outubro, Pedro Dias, filho de uma família burguesa local, dormia numa pick-up preta, marca Toyota, junto a um hotel em construção. Os agentes da GNR Carlos Caetano e António Ferreira viram a viatura aparentemente abandonada e depararam-se com Pedro Dias a dormir lá dentro. Pedem-lhe os documentos e, via rádio, solicitam mais informações, ficando a saber que é um homem perigoso e pode estar armado.

Pedro Dias ouve tudo. Não pode deixar que o revistem, pois tem com ele uma arma calibre 7.65mm com a qual disparara sobre a GNR durante um assalto. Quando Ferreira, que se deslocara ao carro-patrulha para contactar com o posto, se aproxima, já Pedro Dias apontava a arma a Carlos Caetano. O disparo na cabeça provoca-lhe morte imediata. Depois obriga António Ferreira a pegar no carro e andar às voltas, até que o manda regressar ao local onde o colega foi morto. Apaga vestígios. A mancha vermelha é o primeiro alvo da sua atenção: com as botas, arrasta terra para encobri-la. E de arma em punho, obriga Ferreira a esconder o corpo na bagageira. 

Puzzle montado

Todo este puzzle faz parte do conjunto de provas que levou o coletivo de juízes da Guarda a não vacilar. Foram detetados «sinais de arrastamento, com um comprimento de 8,60 m, na zona de terra, junto ao lancil e paralelas ao pavimento alcatroado, sendo que se verifica a existência de mancha hemática entre as marcas de arrastamento, o que confirma a movimentação do corpo e o seu alinhamento com as marcas de arrastamento», lê-se no acórdão. 

Além disso, havia ainda «o perfil de ADN de Carlos Caetano nas mangas da farda de António Ferreira», mostrando que foi o próprio agente da GNR que teve de pegar no corpo do colega e colocá-lo na bagageira do carro patrulha, onde também foi encontrado sangue da vítima.

Já passava das 04h00 quando o carro onde vai Pedro Dias abandona a estrada e entra por uma zona de terra batida até à Serra da Lapa. Quer ver-se livre de Ferreira. E a forma como o fez também fica ‘documentada’: obrigou o guarda a algemar-se a um pinheiro e disparou sobre ele. Vestígios do sangue foram encontrados junto à árvore e a cerca de 15 metros. Foi aí que Pedro Dias colocou o corpo do guarda, pensando que estaria morto, disfarçando-o com folhas e ramos. Mas esqueceu-se de um pormenor: as cápsulas das balas disparadas ficavam no local do crime. «Foi encontrada, junto a um pinheiro, uma cápsula 7.65mm deflagrada, tendo o resultado do respetivo exame laboratorial confirmado tratar-se de uma a cápsula 7.65mm Browning, encontrando correspondência com a cápsula recuperada no hotel Caldas da Cavaca, que disparou o projétil que provocou a morte do militar Carlos Caetano», escrevem os juízes, acrescentando que a cápsula é igual também às deflagradas anos antes contra a GNR de Leiria, noutro episódio envolvendo Pedro Dias.

Sobrevivência milagrosa

Mas António Ferreira sobreviveria. O agente recuperara e ganhara forças para procurar ajuda. A narrativa do sangue segue a par e passo o trajeto da vítima: «Seguindo o caminho em terra batida entre a Lagoa da Fonte Fria e a residência do cabo Santos, foi encontrada, a cerca de 600 metros daquela casa, uma mancha de sangue». Eram 7h00 quando consegue chegar a casa de um colega, que chama uma ambulância. 

Inicia-se uma caça ao homem – mas Pedro Dias acreditava não ter deixado testemunhas dos crimes. Precisava era de se livrar do carro da GNR e ir buscar a Toyota onde dormira. A solução foi roubar um carro que passasse na EN 229. Liliane e Luís Pinto passaram no local errado à hora errada. Eram 6h00 quando foram mandados parar por um homem que parecia em dificuldades, mas assim que encostam à berma percebem que estão a ser assaltados. Pedro Dias aponta-lhes a arma e manda-os sair do carro.

Também aqui a investigação conseguiu recriar o que aconteceu: no km 45 foi encontrada uma mancha de sangue na berma da estrada pertencente a Luís Pinto. «A partir dessa mancha, era visível, em direção ao interior da mata, um rasto, com cerca de 16,4 m, com sangue», refere o acórdão. Os inspetores da PJ também encontraram sangue de Liliane Pinto no local. 

Além dos vestígios biológicos, são encontradas cápsulas que pertenciam à arma de Carlos Caetano, que fora levada por Pedro Dias depois de o matar. 

Novas manchas

A biologia acabou por revelar outras provas fundamentais para a investigação e, aqui, as peças de roupa foram fundamentais para estabelecer as ligações entre os intervenientes.

O ADN de Lídia Conceição foi encontrado numa das viaturas conduzidas por Pedro Dias naqueles dias. O fugitivo tinha encontrado uma casa onde podia descansar. O que não esperava é que Lídia, filha da proprietária da casa, ali fosse fazer uma visita. A mulher acabou sequestrada e violentamente espancada por Pedro Dias. Ainda pediu ajuda a um vizinho, António Duarte, mas acabaram ambos amarrados e com batatas a tapar a boca.

Pedro Dias rumou então a Vila Real. Não queria afastar-se da família, mas tinha medo de ser descoberto. A caminho de Vila Real depara-se com uma operação da GNR e vê-se obrigado a abandonar o Opel Astra roubado a Luís e Liliane Pinto. Com a pressa, esquece-se de tirar elementos que o associavam às vítimas: deixou roupa ensanguentada na viatura. «No seu interior foram recolhidos (…) um par de calças de ganga de cor azul, da marca Levis 512, e uma camisola tamanho XL, contendo várias manchas de natureza hemática, sendo que o relatório do exame pericial refere que dois dos vestígios se identificam com a impressão digital do arguido e que as manchas hemáticas correspondem inequivocamente a Maria Lídia Alves da Conceição», refere o tribunal.

Esgotado e com poucos recursos, acaba por regressar à terra natal. As câmaras de videovigilância dos postos de combustível registam-lhe a marcha. Esconde-se na casa de Fátima Reimão, uma amiga de longa data, onde acaba por decidir entregar-se.

Será detido a 8 de novembro, depois de mais de três semanas de fuga. Foi agora condenado a mais de 103 anos de prisão, mas a pena máxima em Portugal é de 25.

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