Eu Saio na Próxima, e Você? é uma peça que tinha já sido feita cá pela Ivone Silva e o Henrique Viana. Porque decidiu recuperá-la agora?
Exato, esta peça é um original espanhol [Yo me bajo en la próxima… ¿y usted?, de 1981, de Adolfo Marsillach]. Esta versão não tem nada a ver, mas há uma versão espanhola que esteve quase dez anos em cena e foi interpretada por grandes atores espanhóis, como a Concha Velasquez, a grande vedeta de Espanha. Esteve anos e anos em cena, é reposta muitas vezes, mas fala na realidade espanhola. A versão da Ivone Silva e do Henrique Viana era muito aproximada da espanhola, e eu adaptei à realidade portuguesa.
E a este tempo.
Exatamente. E à idade até dos intérpretes. Adaptei exatamente desde quando eles nascem, portanto desde 1962 até aos nossos dias. Portanto é um casal que atravessa toda esta grande aventura que todos os portugueses – eu atravessei toda, você, metade [risos] – atravessámos desde os anos 1960 até agora.
Para si era importante atualizá-la?
Sim, porque é um casal que hoje recorda a sua vida desde a infância. Eles nos anos 60 são bebés, têm 12 anos no 25 de Abril, e depois é toda esta história da transição para a democracia, mas na vida de um casal. Não é uma peça política. É uma comédia, uma comédia musical, sobretudo. Sobre os encontros e os desencontros de duas pessoas que se conhecem no metro, na estação das Picoas. Uma empurra a outra e pede desculpa, e daí nasce uma relação que terá, como todas as relações, os seus momentos maravilhosos, os seus momentos de luz, e os seus momentos mais escuros, os seus problemas. Isto tudo enquadrado na História de Portugal desde os anos 60 até agora.
O que sobra aqui do texto original?
O autor é um grande encenador espanhol, o Adolfo Marsillach, que fez isto para a Concha Velasquez, também como uma visão sobre a História espanhola, portanto esta peça é quase um original.
No original os protagonistas também se conhecem no metro?
Conhecem-se no metro também. Daí o título Eu Saio na Próxima, e Você?. É uma história muito humana de duas pessoas que se encontram e de todas as circunstâncias que as rodeiam. Como dizia o Ortega y Gasset, somos produtos de nós próprios e das nossas circunstâncias. E são estas circunstâncias que os fazem crescer e tornarem-se numa mulher e num homem.
Outra questão importante aqui é a conquista dos direitos das mulheres.
Nesta peça também se vê a evolução do que foi a conquista das liberdades pela mulher. Da menina de uma família burguesa educada num colégio de freiras que depois vai evoluindo até se tornar numa mulher independente. Como dizia a Simone de Beauvoir, uma mulher não nasce mulher, faz-se [mulher]. Também ela [Marina Mota] se fez mulher. Da mesma maneira que o homem [João Baião], com todos os preconceitos com que vinha do fascismo – o ser homem, o ir às meninas… Apesar de ser uma comédia muito alegre quase champanhe, tem uma base de realidade…
Histórica.
Do que foi a evolução de duas pessoas que nasceram nos últimos anos da ditadura e que se abriram com a evolução dos acontecimentos.
Mas dizia que, apesar de tudo isso, não é um texto político.
Bom… tudo é político, não é? Mas é sobretudo uma comédia. Uma peça em que o público se vai emocionar, em que o público se vai divertir. Uma peça com muito humor, sobretudo porque vai ser servida por dois comediantes de exceção, a Marina Mota que, de facto, é a grande cómica, a grande rainha da Revista à Portuguesa, mas que vai surpreender o público, porque nesta peça tem todos os cambiantes. E o João Baião, o meu ator querido, com quem já fiz imensas peças, e que é um animal de palco. Os dois são. É uma maravilha ensaiar com eles e é uma maravilha vê-los representar.
Com apenas dois atores em palco, este espetáculo leva-o a um registo um bocadinho diferente de outros, como Aladino, que continua em cena aqui no Politeama.
Exato. O Aladino é uma superprodução musical. Aqui temos dois atores, mas dois atores que valem por uma companhia inteira. Também tenho que dizer que tenho uma equipa muito boa, o Filipe Albuquerque, que fazia o Passepartout no A Volta ao Mundo em 80 Minutos, e o João Frisa. Tenho uns figurinos maravilhosos do grande mestre do teatro que é o José Costa Reis. Acho que vai ser um espetáculo surpreendente. Muito moderno, muito contemporâneo e sobretudo muito atual. Porque fala de nós. O espectador terá diante de si um grande espelho.
Fazia aquela comparação há pouco para lhe perguntar se o que lhe interessou aqui foi trabalhar – não sei se será esta a palavra certa – um certo despojamento.
É, o espetáculo é muito despojado. Em 52 anos de teatro já fiz de tudo. Desde a revista ao teatro clássico, Shakespeare, já fiz todos os géneros. Esta peça dá-nos a oportunidade de oferecer uma visão sobre a nossa vida. Sobre a minha própria vida e a vida dos atores. Porque o texto foi construído com eles. É por isso que se chamam mesmo Marina e João.
Era aí que queria chegar. É um espetáculo mais de personagens do que o habitual nas suas produções.
Mas tem muito espetáculo também. Recorro muito às novas tecnologias e aqui há um trabalho de vídeo notável, de uma jovem realizadora chamada Zara Pinto, que me tem acompanhado nestes últimos anos. Misturo o vídeo, o teatro, a música, com o piano. E eles cantam, dançam, representam e fazem todas as personagens.
Quantas mesmo, ao todo?
Ainda não contei [risos], mas fazem umas 20 cada um. Porque fazem todas as personagens com as quais se cruzam na vida deles. Fazem de pais, de mães… É o segredo, a magia, do teatro. É de facto uma prova de fogo, quer para a Marina quer para o João, mas está muito bem entregue. Acho que com outros atores não teria feito esta peça. O João e a Marina são dois poços de energia. Só dois grandes comediantes no auge das suas qualidades e da sua força física é que podem abraçar um projeto como esta peça, que é de facto uma prova a todas as suas capacidades.