O fenómeno migratório é um fenómeno de encruzilhada. Que convive não só com a ciência jurídica, mas também com outras ciências sociais.
A par do direito, a sociologia, a economia, a antropologia, a história e as ciências das religiões permitem interpretar este fenómeno jurídico-social e encontrar as políticas públicas mais adequadas para as sociedades contemporâneas.
Enquanto fenómeno meta jurídico, a imigração ganhou desde as últimas décadas do século XX (o ‘século do povo’) e durante as primeiras décadas do século XXI (o ‘século do movimento dos povos’) uma importância redobrada, ao nível das políticas públicas estaduais e supra estaduais.
Em pleno século XXI, na era da globalização, do homo comunitatus, do advento da revolução digital, da sociedade aberta, as migrações são um fenómeno que cada vez mais condiciona a alta governação e a média governação, à escala nacional, regional e mundial.
Com o aumento da circulação da informação, dos capitais, dos investimentos, das empresas, a circulação de pessoas é cada vez mais uma prioridade ao nível das políticas públicas, condicionando (e muito) tudo o que lhe está associado.
Dos quase 200 países do mundo, com os seus mais de 7 mil milhões de pessoas, existem causas, consequências e impactos diversos. Negativos para uns (menos) e positivos para outros (mais), não faltam estudos de base científica de vária índole que nos permitem aferir, por exemplo, os impactos da imigração nas contas públicas, na demografia, no desenvolvimento económico, social e cultural.
As migrações têm um impacto direto e indireto no desenvolvimento económico e social, na qualidade da democracia e na garantia da segurança dos cidadãos.
As políticas públicas e o direito da imigração são instrumentos relevantes para se entender e projetar o que cada Estado deve concretizar em termos de políticas de imigração, com vetores base interligados. A saber: a regulação do fluxo de entradas, permanências e saídas de cidadãos estrangeiros; e a integração dos cidadãos estrangeiros nos países e nas sociedades de acolhimento.
Este fenómeno migratório, em ordem a um apurado estudo de caráter científico e jurídico, tem merecido vários diagnósticos e propostas de aperfeiçoamentos. Existem case studies assentes em diversos modelos de interpretação. E que permitem tirar conclusões quanto às semelhanças e diferenças com os modelos estaduais em vigor. Como sucede com Portugal e os EUA, países onde o fenómeno das migrações está presente nas suas vidas coletivas há muitas décadas. Com impactos decisivos para os seus modelos económicos, sociais e culturais.
Um país (os EUA) que não é mais do que o resultado de migrações em massa durante mais de um século, que estão na génese da sua constituição enquanto Estado independente; e outro país (Portugal) que desde as ordenações manuelinas tem evoluído no que diz respeito ao seu escopo jurídico na acomodação de estrangeiros no seu território.
Quando se estuda o fenómeno da imigração, Portugal e os EUA são dos países que, enquanto casos de estudo, nos permitem comparar, compreender e propor avanços no domínio das políticas de imigração.
Nesta matéria, e avaliando a evolução nas últimas décadas das suas sucessivas leis da nacionalidade e das suas leis da imigração (tendo em conta a especificidade do seu edifício jurídico de caráter quer federal quer estadual), é de concluir que a ‘América fortaleza’ está a vingar em detrimento da ‘América do acolhimento e integração’. E isto – repete-se — num dos países beneficiários ao longo da sua história da abertura ao exterior, do recebimento de cidadãos de várias geografias.
Num mundo onde cada vez mais as migrações são a solução e não o problema, os EUA assumem uma condição de ‘país concha’, onde o efeito papão é rei e senhor. Onde, se fosse hoje, os antepassados alemães e escoceses de Donald Trump não poderiam ter entrado. E, ironia das ironias, Donald Trump não seria hoje americano mas sim alemão ou escocês.
A problemática jurídica dos cidadãos americanos e portugueses no mundo é farta. Ao nível do regime jurídico de cidadania, nacionalidade, circulação e legalização de cidadãos nos respetivos países. Ambos os regimes, em termos comparativos, permitem-nos aferir várias tendências, tirar várias conclusões e construir outros caminhos e soluções.
Países como os EUA (e vários outros) vivem em modo de contradição. Cultores da liberdade de escolha, da circulação de capitais e das empresas, fazem o contrário em relação à circulação de pessoas. Daí que o efeito papão seja o contrário do efeito chamada.
Como também a catalogação dos países emissores, dos países recetores e dos países de passagem esteja em mutação. Híbridos alguns. Outros nem tanto. Mas uma coisa é certa: não vão existir no mundo muros suficientes que nos separem e que impeçam que, no século do movimento dos povos, a circulação de pessoas seja uma realidade incontornável.
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