Miguel Tiago treina Aikido desde os 11 anos de idade. Para um bocado para fazer contas e diz: “Há 27 anos.” Decidiu começar a treinar por orientação materna. “A minha mãe tinha um amigo que ainda hoje é meu mestre (sensei), e eu fui experimentar.” Tinha feito natação e ginástica, e quando foi para o sexto ano foi a uma aula de aikido e lá ficou.
O ginásio é por baixo de uma das bancadas do Estádio do Bonfim, do Vitória de Setúbal. Um grupo de 30 atletas, incluindo muitas crianças concentradas e divertidas, fazem o aquecimento. Cada um que entra faz uma saudação ao entrar no espaço do dojo, onde se encontram os tatamis (os tapetes). O aquecimento é em conjunto, depois o treino divide-se entre adultos e crianças, sendo os últimos 30 minutos da hora e meia de treino reservados aos mais graduados. Os praticantes usam um keigogi (semelhante ao quimono do judo), obi (um cinto de pano), e os mais graduados completam a vestimenta com um hakama (par de calças largas, normalmente de cor negra).
Muitas posições básicas do aikido parecem retiradas de uma dança da luta de sabres, que se faz, na maior parte do tempo, sem essa arma. O sensei Manuel Galrinho (7.o dan) vai introduzindo as novas técnicas com humor, fazendo com que todos pareçam redopiar e cair com suavidade. A esse efeito ajuda a estética das movimentações com o hakama, que sublinha as suavidade das deslocações e das quedas placadas. No aikido, como o nome expressa, a forma como a energia se transforma em harmonia é o ponto nodal.
Miguel Tiago gostou da sua aula há 27 anos. Ficou, fez apenas uma curta paragem a meio do ensino secundário. “Dos 15 aos 16 anos”, precisa. “Depois quando voltei comecei a levar mais a sério, e com 17 não parei mais. Embora, com o parlamento a prática tenha ficado mais irregular.” Mas foi sempre treinando e passando as graduações, e já chegou a dar aulas de aikido. Hoje é cinto negro e terceiro dan.
Para Miguel Tiago, o aikido é uma arte, e o que o prende é essa possibilidade de se expressar através da técnica, usando–a como instrumento de desenvolvimento pessoal, físico e mental. “O aikido conjuga os benefícios de um desporto com o prazer e o alimento de uma arte”, garante. E desenvolve o raciocínio: “Não tem uma conceção baseada no rendimento desportivo nem na competição – no fundo, competimos connosco próprios –, mas é necessário desenvolver capacidades comuns ao desporto para que se consiga desenvolver esta prática com prazer, levando a prática ao máximo que as capacidades nos permitem. Se bem que o Aikido possa ser praticada por pessoas com 80 anos. É uma arte que se adapta muito bem às características de cada um.” E concluí: “A prática dá-nos um caminho. Aliás, o ‘do’ de aikido significa mesmo isso, caminho. Como todas as artes marciais japonesas modernas, tem um ‘do’ no fim. É, neste caso, um caminho da harmonia para a nossa energia.”
Como se concilia o deputado comunista com a espiritualidade inscrita no aikido?
“O aikido vem de uma arte que é o aikijujutsu, que usa a meditação ligada ao budismo de uma forma filosófica. É o fundador do aikido, Morihei Ueshiba, que ao criar a nova modalidade lhe dá um caráter mais próximo do xintoísmo, mas na nossa escola continuamos mais ligados ao primeiros ensinamentos do zen. É como levar a repetição ao extremo até entrar numa espécie de meditação e ser capaz de incorporar a técnica e deixá-la fluir, para criar com liberdade. Isso não tem nada de transcendental. É como fazem um pintor ou um músico.”
Para o deputado, o dojo é um espaço onde as pessoas conseguem ligar-se a si próprias e estar apenas ali. Isso permite-lhe ajudar a gerir o stresse e naquele momento, “quando se está no tapete, está-se apenas no tapete. Isso acontece naturalmente”. Toda a aula potencia isso. “Existe um pequeno cerimonial, que funciona como romper com tudo o que está fora, e a forma como se pratica acaba por criar 90 minutos que mudam o azimute das nossas preocupações, acaba por ser bom. Permite-nos acalmar e ver de forma diferente até o nosso trabalho exterior.”
O aikido não tem combates nem competições, mas pode mudar os praticantes. “Eu terei usado algumas técnicas quando era miúdo. Estudava perto do Parque do Bonfim e havia uns miúdos que assaltavam as pessoas, e eu lembro-me de ter evitado o assalto porque apliquei uma técnica a um que me estava a assaltar com uma navalhita. E como já fui porteiro de discoteca, já usei, não para conflito, mas para acalmar as coisas. Fiz isso numa casa de concertos de metal e punk onde agora funciona uma discoteca.” Aliás, o metal é um estilo musical de que Miguel Tiago gosta, estranhamente, por razões semelhantes ao aikido. “O metal, não toco, só ouço. Há ali uma espécie de meditação, entra-se num espaço que é catártico, e é um excelente ambiente, intenso e de comunidade. É uma forma de exorcizar os demónios.”
Já treinou mais regularmente. Agora vem quando pode. De resto, já experimentou kyudo, o arco japonês, e pratica iaido, com sabre japonês. A sua próxima experiência será o boxe.
Aikido – Estádio do Bonfim, terças e quintas das 19h às 20h30; quartas e sextas, das 7h às 8h
Morihei Ueshiba. O fundador do aikido nasceu a 14 de dezembro de 1883 em Tanabe. Filho de um pequeno proprietário de terras, em 1900 foi para Tóquio, onde iniciou uma pequena atividade comercial. Trabalhava de dia e de noite praticava ju-jitsu, na escola Kito-Ryu. Em 1903 foi para Sakai para estudar sabre na escola Yagyu-Ryu. Alistou-se como voluntário para combater na guerra entre o Japão e a Rússia, que acabou com a vitória do império nipónico.
Saiu do exército no fim da guerra e começou a estudar judo, em Tanabe, com o mestre Tagaki. Em março de 1910 foi para a ilha de Hokkaido com um grupo de pioneiros, onde conheceu Sokatu Takeda, da escola Daitôō-ryuūAiki-jujutsu. Estudou com esse mestre de 1915 a 1922 e obteve o diploma de mestre.
Quando o pai estava a morrer conheceu Onisaburo Deguchi, figura carismática da seita Omoto Kyo, um encontro que foi fundamental para Morihei. Em 1924, Daguchi, Morihei e outros fiéis foram para a Mongólia tentar fundar uma comunidade baseada nas regras da paz e da harmonia, tendo sido capturados pelo exército chinês e condenados à morte, mas foram libertados pela diplomacia japonesa.
O estilo de luta de Morihei evoluiu e conseguia intuir os golpes dos adversários, o que fica identificado num episódio: foi desafiado por um oficial da marinha e venceu-o sem sequer lhe tocar, limitando-se a evitar todos os golpes da espada de madeira do adversário, que no final caiu de joelhos, esgotado, rendendo-se. No final desse duelo, Morihei foi a uma fonte para beber água e teve uma visão mística em que ficou convencido da unidade do universo e da harmonia de todas as coisas, da inutilidade do ódio e da força unificadora do amor.
Em 1927, o almirante Takeshita convidou-o para dar aulas em Tóquio. Deu aulas à Guarda Imperial e à Academia da Marinha. Em 1931 inaugurou Kobukan, onde ensinava o aikido.
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