O juiz Carlos Alexandre disse esta manhã em tribunal que o ex-procurador Orlando Figueira é uma pessoa bem intencionada, que nunca lhe deu provas de ser pouco confiável ou de homem sem honradez. O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal – que assumiu ser amigo do antigo procurador do DCIAP há 27 anos – esclareceu que aconselhou Figueira a não sair do Ministério Público, mas que este decidiu sair na mesma.
“Eu ia sempre dizendo que não era boa ideia, não porque per si viesse mal ao mundo… mas não achei que era um desafio tão estimulante para que ele aceitasse”, reiterou, adiantando: “Ainda hoje estou convicto que na mente dele nada estava relacionado com os seus processos”.
Carlos Alexandre contou também que das primeiras vezes que o arguido lhe falou da sua saída disse que era para o compliance de um banco, tendo depois referido que se tratava de uma empresa.
Foi neste ponto que descreveu Orlando Figueira como uma pessoa “ingénua”, alcunha que aliás já tinha há alguns anos: “Ele tem uma característica de ser muito crédulo com pessoas que não conhece, ele tinha até o petit nom de ‘ingénuo’”.
O juiz explicou que inicialmente pensou que o convite dos angolanos nunca viria a tornar-se realidade, porque Orlando Figueira às vezes acreditava em coisas que não se concretizavam.
E quando tudo já estava decidido, o magistrado diz ter sido contundente com o amigo: “Eu aconselhei-o a pedir para sair dos processos sobre Angola e ele de facto fez esse pedido para sair dos processos, porque eu tenho nota disso à posteriori. Eu tomo conhecimento de que ele saiu da generalidade dos processos de Angola”.
E também o alertou para os riscos de receber dinheiro antecipadamente da Primagest. Quando Figueira lhe disse que para se assegurar fez um contrato com uma empresa, Carlos Alexandre terá sugerido: “Não podes receber nada enquanto estiveres no público, isso é um absurdo”.
Mas a verdade é que Orlando Figueira já confirmou que recebeu um ano de salários adiantado como garantia.
Orlando FIgueira é “muito honesto”
Assumindo não ser o “padrinho” de Orlando Figueira, disse ter sugerido ao Vitor Magalhães o nome do antigo procurador, agora arguido, para o DCIAP quando se procurava um procurador para aquele departamento do MP: “Eu disse que era muito honesto”.
E mantém esse entendimento, apesar do caso Fizz. Arrolado como testemunha pela defesa e pela acusação, Carlos Alexandre disse esta manhã que tudo o que sabe foi porque o amigo lhe contou e acrescentou: “Não tenho a menor dúvida de que na altura ele estava a contar a verdade”.
“Não sou exemplo para ninguém”
Quanto aos contactos que Orlando Figueira fez em Angola com a elite de Luanda, durante a semana da legalidade, Carlos Alexandre disse que o feitio do ex-procurador é oposto do dele e que por isso vê como natural que tenha tido vários encontros em Angola. “Não posso pensar que as outras pessoas são como eu e eu não sou exemplo para ninguém, eu sou um bicho do mato”, adiantou.
E vê ainda como mais natural a sua vontade de abraçar um novo desafio por estar com problemas económicos e a atravessar uma separação: “Não era só questão económica é que naquela altura não tinha apelo para cá ficar”.
“Carlos Silva tenho muitos na minha vida”
Uma das ressalvas que o juiz fez em tribunal e que arrancou até alguns sorrisos foi quando o nome do banqueiro angolano Carlos Silva surgiu, como sendo a pessoa que contratou Orlando Figueira.
Carlos Alexandre disse que teve conhecimento que o convite foi feito pelo banqueiro, que preferiu chamar “Carlos José da Silva” – adiantou que tem “muitos Carlos Silva na vida” e que não queria que sobrassem dúvidas.
“O que Orlando Figueira me disse no início é que a abordagem foi de Carlos José da Silva no interesse do banco ou até para substituir uma pessoa que estava em Angola e que queria regressar”, explicou.
Primagest ligada a Carlos Silva
E adiantou também que quando Figueira lhe contou do contrato que celebrara com a Primagest, lhe disse que estaria na órbita da Sonangol ou ligada à estatal angolana, mas que agora pelo que leu já percebeu que não é bem assim. Em fase de inquérito tinha dito que Orlando lhe disse que estava ligada à Sonangol e a Carlos Silva.
A relevância deste ponto é que para o MP a Primagest é uma subsidiária da Sonangol, o que relaciona Manuel Vicente (ex-presidente da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola) com a contratação do procurador.
Por outro lado, Orlando Figueira defende que a Primageste está ligada a Carlos Silva e ao Banco Privado Atlântico.
Carlos Alexandre ressalvou hoje que apesar da referência à Sonangol nas suas declarações ao MP em 2016 sempre teve a ideia desde o início que a abordagem ao antigo procurador foi verdadeiramente feita por Carlos Silva.
O que Carlos Alexandre sabe de Carlos Silva
O juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal disse que de Carlos Silva sabe que foi fundar o BES Angola com Helder Bataglia. Tudo “a mando do comendador Ricardo Salgado”.
Referindo que tudo o que estava a dizer tinha sabido por fontes abertas, disse que depois disso Salgado mandou para o BES Angola Álvaro Sobrinho e que Carlos Silva ficou lá pouco tempo, saindo para fundar o Banco Privado Atlântico.
Confirma intervenção de Proença de Carvalho
Tal como disse em 2016, a testemunha referiu que Iglésias Soares, administrador do Millennium BCP, aconselhou Figueira a falar com Daniel Proença de Carvalho. Isto porque era a pessoa mandatada para resolver os problemas que tinha e por fim ao contrato com a Primagest.
O juiz disse ainda ter tido conhecimento de que depois foram ao escritório do advogado e que “se acertaram e que chegaram a um consenso”, ou seja, cessando a relação laboral com a empresa.
Currículo de filho de Carlos Alexandre
Questionado esta manhã sobre como é que o curriculum vitae do seu filho foi parar ao escritório de Paulo Blanco, arguido que durante anos foi advogado do estado angolano, Carlos Alexandre começou por explicar a relação com o antigo procurador.
“Não sei como é que foi lá parar, agora sei porque não sou inocente, no sentido de ingénuo. A quem o meu filho André entregou o currículum foi ao dr Orlando Figueira. O dr Orlando gostava que o filho dele, Fernando Miguel, e o André se dessem. Acompanhou sempre o meu filho desde os dois anos de idade”.
O filho de Carlos Alexandre frequentou um mestrado em Engenharia Química e a determinado momento, Orlando Figueira ter-lhe-á pedido o curriculum, disse o juiz, reproduzindo a conversa: “Da-me o currículum do André que eu apresento ao Carlos José da Silva e no banco, que tem como acionista a Sonangol porque podia ser que alguém conhecesse”.
Perante a explicação, o juiz presidente do coletivo Alfredo Costa perguntou se em algum momento foi dito que o curriculum ia ser apresentado a Manuel Vicente. Carlos Alexandre foi perentório: “Posso assegurar-lhe que nunca se falou no eng Manuel Vicente”.
E disse ainda que o contacto nunca surtiu efeitos práticos.
Sobre a forma com o caso foi investigado, disse que Rosário Teixeira não lhe contou que tinha apreendido o documento no escritório de Blanco: “O que o honra a ele e à magistratura”.
Orlando Figueira descrito como um ingénuo
Carlos Alexandre diz que Orlando Figueira é uma pessoa crédula, alertando que isso não significa que seja 'Naif': “É bem intencionado. Quando lhe apresentam um determinado conjunto de propostas ele acredita nelas. Ganhar uma certa couraça e ver o que é ou não plausível nessas histórias vai evoluindo com a nossa experiência. Essa é uma caracteristica dele”.
E afirmou que nunca encontrou “na personalidade de Orlando Figueira nos processos em que [trabalharam] nada que coloque em causa o raciocínio da confiabilidade de honradez”.
E não quis abrir muito o jogo sobre as ofertas do Estado angolano à PGR portuguesa, dizendo ainda assim não achar normal. “Se é para desequilibrar isto, falo… se é para falar dos quadros”, disse sugerindo que houve ofertas de quadros à PGR portuguesa.