O governo britânico acionou esta quarta-feira um plano de retaliação política contra o Kremlin, dando como provado que o ataque químico do início de março contra um antigo duplo espião russo em solo inglês foi obra do Kremlin e que, para além disso, aconteceu com um agente neurotóxico nunca antes utilizado, altamente contagioso e letal, que há muito preocupa os países ocidentais.
A primeira-ministra Theresa May apresentou as retaliações britânicas durante a tarde, saindo pela primeira vez em vários meses do remoinho burocrático e vago do divórcio europeu e pondo um pé firme no ânimo nacional: Londres, anunciou, expulsará 23 diplomatas russos do país, interromperá os contactos de alto nível com o Kremlin, investigará de novo as mortes de dissidentes políticos exilados no Reino Unido, vai rever as leis que protegem espiões e oligarcas, e proibirá a ida de contingentes políticos ao Mundial de Futebol deste verão.
A ofensiva britânica é invulgarmente dura, interromperá algumas operações russas no Reino Unido mas, com toda a probabilidade, nada fará para alterar substancialmente as ações clandestinas de Moscovo. A primeira-ministra britânica, porém, arreganhou esta quarta-feira os dentes e rompeu, pelo menos parcialmente, a neblina de fragilidade que a rodeia desde as últimas eleições. “Trata-se de um uso de força ilegal por parte do Estado russo contra o Reino Unido”, afirmou em Westminster.
“Deve, por isso, sofrer uma resposta completa e robusta”.
O Kremlin, disse May, falando do dia de ultimato concedido ao governo russo para que este justificasse o alegado ataque, “reagiu ao uso de um agente neurotóxico de gama militar na Europa com sarcasmo, desprezo e ameaça”. “A resposta demonstra um total desdém pela gravidade destes acontecimentos”, disse
A Rússia, por seu lado, respondeu com rapidez. Primeiro, com críticas, dizendo, por exemplo, que o Reino Unido apresentou dados incompreensíveis no seu ultimato de um dia e que quaisquer acusações devem ser analisadas pela Organização pela Proibição de Armas Químicas – o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, concordou com este ponto e foi duramente criticado pelo governo e oposição por não se aliar incondicionalmente à primeira-ministra. Mais tarde, o embaixador russo em Londres anunciou que o Kremlin retaliará à retaliação e expulsará também diplomatas britânicos. “Haverá expulsões”, garantiu Alexander Yakovenko à cadeia Sky News. “Em diplomacia há sempre reciprocidade”, afirmou.
A União Europeia afirmou no início da semana que apoiará o Reino Unido no caso de Sergei Skripal, o ex-duplo espião encontrado catatónico no início do mês na companhia da filha, Yulia, num centro comercial de Salisbury, no sul do país. Ambos estão ainda em coma e em estado crítico, e as esperanças de recobro são escassas. May diz que o agente usado no ataque é um químico de quarta geração conhecido como Novichok e desenvolvido pela União Soviética nos anos 70 e 80, num período em que os países da NATO já não fabricavam armas deste género.
Trata-se de um agente neurotóxico muito poderoso, o único de quarta geração no planeta, difícil de detetar e que até este mês se pensava nunca ter sido utilizado. O químico é de tal forma impercetível que os investigadores britânicos suspeitam agora que possa ter sido usado antes contra inimigos russos em território britânico.
O Novichok tem um antídoto, que, contudo, é incompleto, segundo diz o próprio criador da arma, Vil Mirzayanov, que desertou para os Estados Unidos e viu um colega morrer cinco anos depois de contaminação acidental, apesar de ter recebido prontamente o remédio. “O que é que quer dizer antídoto?”, perguntou à Sky News, na terça-feira. “Salva-se a pessoa exposta a este gás – mas apenas temporariamente, para que ela não morra de imediato. Continuará inválida para o resto da vida.”