D epois de vários meses de impasse, o projeto de banco social da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) começa a agora a ganhar novos contornos. As listas da nova administração da instituição financeira já foram aprovadas pelo Banco de Portugal, com Carlos Tavares – ex-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) – a acumular as funções de chairman e de CEO do banco. Já a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) deverá ocorrer «daqui a duas semanas a três semanas», apurou o SOL.
Este investimento da Santa Casa será feito através de uma participação simbólica, ou seja, inferior a 20 milhões de euros, passando a deter até 1% do capital da instituição financeira. O mesmo acontecerá com as restantes misericórdias e IPSS, sabe o SOL. Ainda assim, «o suficiente para que o Montepio avance com o projeto de banco social», revelou fonte ligada ao processo.
A verdade é que este valor fica muito aquém do que tinha sido inicialmente apresentado pelo próprio provedor da Santa Casa. Edmundo Martinho garantiu, várias vezes, que estava em cima da mesa uma participação na ordem dos 10%, o que iria exigir um investimento a rondar os 200 milhões de euros.
Uma decisão que foi alvo de fortes críticas, nos últimos meses, não só por parte dos partidos políticos, mas também de vários responsáveis sociais ao considerarem o negócio demasiado arriscado.
Este recuo da Santa Casa surgiu depois de ter dispensado os serviços do banco de investimento ao Haitong, no passado dia 14 de fevereiro, por não ter apresentado até àquela data o relatório de avaliação à instituição financeira. O provedor Eduardo Martinho terá argumentado que não foi feita uma «avaliação firme» da instituição nos prazos acordados.
Nova administração
A Assembleia-Geral (AG) reuniu-se esta sexta-feira à tarde para aprovar os novos nomes que irão compor a administração do Montepio Geral, assim como para aprovar os novos estatutos da instituição financeira, que já foram ratificados pelo regulador e que irão trazer um novo modelo de governação no banco, deixando de existir o atual conselho geral de supervisão e o conselho fiscal.
O nome do ex-ministro da Economia de Durão Barrosos foi avançado inicialmente para substituir Francisco Fonseca da Silva (primeira escolha da Associação Mutualista), por este ter sido chumbado pelo Banco de Portugal devido a conflitos de interesse: uma empresa de que Fonseca da Silva é sócio tinha um crédito no Montepio de cerca de 2 milhões de euros, o que é incompatível com regras bancárias.
Mais tarde o nome de Tavares foi sugerido para substituir, como CEO, Nuno Mota Pinto, que chegara a ser confirmado pela dona da instituição financeira, solução que teve de ser afastada depois de notícias darem conta de que estava na lista de devedores do Banco de Portugal devido a um crédito de 80 mil euros que estava em incumprimento. Ainda assim, Mota Pinto vai assumir funções de administrador executivo.
No entanto, esta solução de Carlos Tavares acumular funções será transitória, uma vez que o BCE, por norma, não aceita que os dois cargos sejam assumidos pela mesma pessoa. Ou seja, dentro de seis meses a instituição financeira vai ter de escolher outro presidente, ficando Tavares apenas como chairman.
A verdade é que este não é caso único. Há pouco mais de um ano, o Banco Central Europeu (BCE) autorizou António Domingues a assumir funções de CEO e chairman na Caixa Geral de Depósitos, mas a prazo: durante seis meses. Se o regulador máximo aceitou esta situação no banco público, então a situação no Montepio deverá ter o mesmo tratamento. No entanto, Tomás Correia terá meio ano para selecionar um novo presidente da Comissão Executiva.
Os restantes nomes da lista receberam também luz verde por parte do regulador. O conselho de administração da Caixa Económica vai contar ainda com Carlos Leiria Pinto, Pedro Alves, José Carlos Mateus, Helena Soares de Moura e Pedro Ventaneira.
Já a lista dos administradores não executivos também aprovada pelo Banco de Portugal vai contar com dois nomes da Santa Casa, o provedor Edmundo Martinho e Manuel Teixeira. A estes juntam-se ainda Carlos Tavares como chairman, Amadeu Paiva, Rui Heitor, Luís Guimarães e Vítor Martins, soube o SOL. Já António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, vai presidir à Assembleia-Geral.
Fim de um ciclo
O mandato de Félix Morgado, o ainda presidente do banco, só terminaria no final deste ano, mas há muitos meses que era apontado para sair da liderança. A ideia era ter abandonado o banco ainda no verão passado, mas o arrastar das negociações com a Santa Casa para entrar no capital do banco, assim como o fecho da nova administração, acabaram por adiar o seu destino.
No entanto, a sua saída está longe de ser pacífica. O SOL sabe que o Banco de Portugal avançou com processos de contraordenação. Um deles diz respeito à operação financeira que a administração do Montepio tentou montar em 2016 para ‘maquilhar’ as contas. O negócio, que envolvia uma participação na empresa de minas I’m Mining, foi feito na véspera da apresentação de contas do terceiro trimestre, mas acabou por ser travado pelo Conselho Geral e de Supervisão do banco, depois de questionado pelo auditor (KPMG).
Com a venda dos 19% que o Montepio tinha na I’m Mining — controlada pelos irmãos Jorge e Carlos Martins, da Martifer —, à Vogais Dinâmica (criada para o efeito), era esperada uma mais-valia de 24 milhões de euros através da valorização daquela empresa, de 360 milhões para 492 milhões de euros. Este movimento permitiu aumentar o valor da participação do banco de 69 milhões para 93 milhões de euros, posição que seria comprada pela Vogais Dinâmica (de Jorge e Carlos Martins) à sua holding IM e ao Montepio.
O órgão regulador detetou ainda graves irregularidades do departamento de contabilidade no modelo de análise de risco de crédito, assim como conflito de interesses em determinadas funções desempenhadas por atuais administradores. Um desses casos é do administrador João Neves, que acumula a direção do departamento financeiro com o da contabilidade.
O outro caso diz respeito a João Lopes Raimundo, que acumula o pelouro de direção de empresas e o da recuperação de crédito.
A verdade é que relação entre Tomás Correia e Félix Morgado degradou-se no último ano e, segundo fontes ligada ao processo, já se assistia a «intransigências muito difíceis de ultrapassar». Aliás, a relação entre os dois terá ficado mais tensa quando Félix Morgado pediu ao Ministério do Trabalho o estatuto de empresa em reestruturação para alargar as quotas das rescisões. O presidente da Caixa Económica terá feito o pedido sem informar Tomás Correia, que levou a mal não ter sido consultado para a tomada daquela decisão.
Também o facto de nas contas de 2015 terem sido reconhecidas imparidades com vários negócios decididos pela administração de Tomás Correia causou algum mal-estar entre os dois.
Mas os problemas não ficaram por aqui. A estratégia definida para o banco tem tido duas vozes. De um lado, Félix Morgado a defender a mudança de nome para a instituição financeira. Por outro, Tomás Correia a mostrar-se intransigente nesta matéria.