Vladimir Putin, para surpresa de ninguém, nem mesmo das ruas que há semanas repetem a sua cara de antemão vitoriosa, venceu as eleições russas de ontem com uma porção avassaladora dos votos: 73,9%, de acordo com a sondagem à boca das urnas conduzida pelo próprio governo; ou 74,3%, a julgar pelos resultados que se registavam ao começo da noite de ontem, num momento em que estavam contados quase metade dos votos. Mesmo no padrão Putin, tratam-se de resultados esmagadores, os melhores que o presidente russo conquistou nos seus 18 anos de poder quase absoluto. A abstenção, o tinhoso cavalo de corrida escolhido pela oposição manietada de Alexei Nalvany, não galopou como esperavam os críticos. O governo anunciou uma afluência de 63,7%, mais baixa que a das eleições de 2012, mas não tão baixa que tire o lustro ao monopólio que Vladimir Putin tem sobre o sucesso político.
Das figuras decorativas espalhadas pela paisagem eleitoral de ontem, a mais relevante é Pavel Grudinin. Os resultados incompletos de ontem sugeriam que Grudinin podia ultrapassar a barreira dos 14%. A consulta governamental prevê 11,2%. Seja como for, Grudinin terá o dobro do terceiro classificado, Vladimir Zhirinovsky, um veterano nacionalista que concorreu pela primeira vez ao poder contra Boris Ieltsine, em 1991. Grudinin é o líder do Partido Comunista russo, e, não sem controvérsia, é também o milionário proprietário de uma conhecida cadeia agrícola. É igualmente, no entanto, uma concorrência falsa, um líder sem aspirações reais de poder e, acima de tudo, uma ferramenta útil para o Kremlin, de onde se garante que o processo democrático é real, isento e rico, mesmo que o vencedor esteja já decidido e não tenha propriamente um programa de governo, como escreve no “New York Times” Steven Lee Myers: “Ele não oferece uma ideologia estruturada, como antes o comunismo, mas, em vez disso, um modelo amorfo destinado a proteger a soberania nacional contra as organizações internacionais.”
É uma estratégia vencedora, sobretudo na comparação aos instáveis, pobres e envergonhados anos 90 do orgulho ferido e, por isso, o presidente russo ficará mais seis anos no poder. Ao terminar o novo mandato, Vladimir Putin tornar-se-á o segundo líder russo que mais tempo passou no poder. Estaline continuará em primeiro. Encontra-se aqui o aspeto mais relevante das eleições de ontem. Vladimir Putin não chegará às três décadas do antigo líder soviético. Este será, com toda a probabilidade, o seu último mandato no Kremlin. Putin diz que não pretende mudar as regras do limite de mandatos e, embora já os tenha manobrado no passado, passando seis anos no enganoso cargo de primeiro-ministro, há muitas dúvidas de que o faça novamente. Será septuagenário quando terminar o novo mandato e pouco disposto às obrigações das cortinas de fumo. A campanha russa, de tão coreografada e inofensiva, cedo se tornou menos importante que a pergunta que no ocidente todos colocam em aberto e na Rússia se faz por suspiros de corredor: o que é que acontecerá depois de Putin?
A sucessão é inevitável, mas, por estes dias, também insondável. Será a grande obra deste novo mandato, ao longo do qual o presidente russo continuará os projetos de expansão da influência nacional e disrupção da ordem do Ocidente. Existe uma nova casta de jovens russos no Kremlin, mas não há candidatos prováveis. Isso acontece em parte por desígnio – uma fonte próxima do Kremlin contava esta semana ao “Guardian” que todos os oligarcas pensam que podem ser o sucessor e por isso estão dispostos a tudo -, mas também é verdade que o Estado russo não tem instituições fortes e a vida política é estéril, incapaz de dar à luz novos líderes. “A grande ideia do próximo mandato é a de que ele será passado a conceber um mecanismo de passagem de poder que garanta a segurança de Putin e de um número razoavelmente alargado das pessoas que o rodeiam”, diz ao “Guardian” o jornalista e comentador Konstantin Gaaze, que, como afirma a quase totalidade dos politólogos e indica a História, sabe que é difícil fazer a sucessão de um homem forte com características ditatoriais. Mas acontecerá, afirma. “Acho que [a sucessão] será mais simples para ele do que tornar-se presidente para toda a vida.”