Redouane Lakdim iniciou o seu atentado terrorista às 11h locais de ontem em Carcassonne, uma cidade do sul de França, muito próxima dos Pirenéus, construída no interior de uma muralha medieval e rodeada de um verde sereno que pouco sugere o caos que dela se apoderou ao final da manhã. Lakdim estava armado com pistola, munições e faca: armas quanto bastam para cometer um ataque de terrorista de oportunidade, como os que comanda o derrotado e alegado califado do Estado Islâmico. Nas poucas horas que durou o atentado e até à sua morte, Lakdim feriu 16 pessoas e matou quatro, recordando a Europa de que o terrorismo não depende de vastos territórios no Iraque e na Síria para matar a milhares de quilómetros
É um terrorismo amador em piloto automático. O atacante de ontem, Lakdim, por exemplo, atingiu três locais e em todos pareceu agir de improviso. Começou por derramar sangue ao roubar um carro em Carcassonne. Matou o condutor e feriu com muita gravidade o passageiro que seguia com ele. Levou o veículo por uma estrada, conduzindo em direção aos arredores, para Trèbes, mas, no caminho, deu com dois polícias que faziam jogging ao lado da estrada. Parou o carro, fez pontaria, disparou várias vezes e feriu um deles com gravidade. O agente encontrava-se ontem em mau estado, mas livre de perigo: sofreu fraturas nas costelas e um pulmão perfurado. A bala passou a três centímetros do coração.
Já em Trèbes, uma pacata vila de cinco mil habitantes, a 15 minutos de Carcassonne, Lakdim tomou de assalto o grande supermercado Super U. Entrou aos tiros, muito nervoso, gritando «Allahu Akbar», segundo dizem as testemunhas, fazendo vários reféns e escudando-se atrás do corpo de uma mulher para se proteger das dezenas de agentes que se iam concentrando no exterior do supermercado. Christian Guibbert, polícia reformado, encontrava-se no Super U a fazer compras: «Vi uma pessoa no chão e uma outra que estava extremamente agitada e tinha uma pistola numa mão e uma faca na outra e estava a gritar ‘Allahu Akbar’. Estava mesmo muito agitado. Soube imediatamente que era um terrorista. Ao fim de 25 anos na Polícia, uma pessoa apercebe-se destas coisas. Disparou várias vezes para o ar».
Estava começado o período do sequestro, o último capítulo do atentado de Lakdim, num momento em que os jornais de todo o mundo se apercebiam com rapidez de que a França estava de novo sob ataque. No interior do supermercado, Lakdim exigiu a libertação de Salah Abdeslam, o único elemento sobrevivente da célula do Estado Islâmico que atacou Paris em novembro de 2015, e aceitou que um polícia, o tenente-coronel que chefia as forças locais, tomasse o lugar de uma das sequestradas, uma mulher. Não se conhece ainda a sua identidade, mas o mundo reconhecia-lhe ontem o heroísmo. Viu os outros reféns partir, deixou um telemóvel ligado para que os agentes os ouvissem do exterior e foi atingido pelo terrorista. Ao ouvirem os disparos pelo telemóvel, as equipas de intervenção entraram no supermercado e mataram Lakdim. O tenente-coronel encontrava-se ontem em estado considerado muito grave.
Pelo caminho sanguinário de Lakdim – um jovem de 26 anos de origem marroquina e com um passado de pequena criminalidade -, morreu um português de 27 anos. Confirmou-o ontem à noite o secretário português das Comunidades, José Luís Carneiro, que, em todo o caso, nada avançava sobre a identidade da vítima ou as circunstâncias da sua morte. Supunha-se, contudo, que pudesse ser o passageiro do carro roubado em Carssonne. Sobre o terrorista, Lakdim, sabe-se que esteve detido um mês por tráfico de droga e que pertencia à lista de suspeitos sob vigilância das autoridades, que, contudo, afirmaram ontem que não estavam a par de quaisquer sinais de radicalização. O Estado Islâmico, através das suas redes sociais, reivindicou o atentado, mas as suas alegações ainda estão a ser investigadas.
O atentado de ontem foi o primeiro grande ataque da Presidência de Emmanuel Macron, que levantou no ano passado o estado de emergência convocado no fim de 2015. «Nunca escondemos o facto de que a ameaça terrorista continua elevada», afirmou em Bruxelas, ao lado da chanceler alemã Angela Merkel, onde se encontrava no momento do ataque. A ameaça, afirmou, é agora «endógena» e já não surge sobretudo do exterior. «Há muitos indivíduos radicalizados e com vários perfis psiquiátricos, identificados como perigosos e que acompanhamos com atenção», garantiu.