Confesso. Foi um ex-governante do PSD, em tempos próximo de Passos Coelho, que me deu a notícia que levou à queda de Feliciano Barreiras Duarte. Neste texto, em nome da verdade, revelarei a sua identidade. Apesar dos contornos entre a comédia e a fantasia, a história até é simples. Não foi preciso encarnar Poirot ou imaginar um episódio de House of Cards no Bombarral. Na sexta-feira, dia 16 de fevereiro de 2018 em que foi aberto o congresso de consagração de Rui Rio, Feliciano Barreiras Duarte enviou uma nota biográfica a este jornal. Nessa nota, o deputado descrevia-se, entre inúmeras outras coisas e várias vírgulas, como detentor do estatuto de «visiting scholar» na universidade de Berkeley. Eu, admito, estranhei. Desde o governo anterior (PSD/CDS) que é razoavelmente conhecida a fragilidade do inglês de Feliciano. Por falta de domínio da língua, o então secretário de Estado chegou a ser substituído em reuniões com a troika, bastando olhar para a versão traduzida da sua tese de mestrado para confirmar o facto que formou a dúvida: se Feliciano mal falava inglês entre 2011 e 2013, como fora investigador visitante nos Estados Unidos da América «desde 2009»?
No dia seguinte ao envio da nota biográfica, sábado, o também colunista deste jornal era nomeado secretário-geral do PSD. Segunda-feira, o SOL ligava prontamente para Berkeley. A universidade norte-americana desmentia que Feliciano «alguma vez» tivesse sido seu visiting scholar e Feliciano respondia que «nunca lá fora» mas que era «detentor do estatuto». Durante duas semanas, o SOL esperou por documentação que alegadamente o comprovaria. Durante duas semanas, a sua entrega foi adiada por motivos tão peculiares quanto «o arquivo está em casa da minha avó e lá não há luz elétrica». Chegada a documentação, que seria novamente desmentida pela universidade de Berkeley, escutou-se Deolinda Adão, suposta orientadora de Feliciano. A académica começou por dizer que nunca conhecera o político, para depois afirmar que o acusaria em tribunal de falsificação («Não sou a típica mulher branda portuguesa!»), para mais tarde corrigir que encontrara «uma cópia idêntica» à apresentada por Feliciano («mas enviada por ele para mim»), para finalmente recuar e reconhecer o documento como certificado de «inscrição». Do lado de Berkeley, tudo na mesma: «sem qualquer registo de Barreiras Duarte desde o ano do seu nascimento». Do lado de Feliciano, o trabalho do SOL fora «corolário de almoços» contra a direção de Rio ocorridos numa semana em que o único social-democrata com que eu almocei foi, ironicamente, Feliciano – a seu pedido, para receber a tal documentação.
Contrariamente, então, ao que insinuaram Daniel Oliveira no Expresso e Paulo Tavares no DN, não fui eu, nem este jornal, nem nenhum adversário de Rui Rio a fazer cair o secretário-geral do PSD. O ex-governante, em tempos próximo de Passos Coelho, que me deu a notícia que levou à queda de Feliciano foi o próprio Feliciano. Foi Feliciano Barreiras Duarte que demitiu Feliciano Barreiras Duarte. Foi Feliciano que inseriu uma mentira no seu currículo durante dez anos e que depois enviou esse currículo a um órgão de imprensa. Por isto, e a bem da sanidade política nacional, era importante que se respondesse à verdadeira questão: como é que alguém neste momento investigado pelo Ministério Público e pela universidade em que lecionava, foi «professor universitário», deputado, secretário de Estado, chefe de gabinete de um líder da oposição, presidente de uma comissão parlamentar e secretário-geral do maior partido da Assembleia da República? É absolutamente insano que tanta gente sã o tenha consentido. E assustador pensar que não se trata de uma exceção.