Numa demonstração invulgar de unidade e rigor, os países que compõem o núcleo da aliança ocidental responderam esta segunda-feira às manobras de guerra cinzenta com que o governo russo vem perturbando europeus e americanos, tocando, alternadamente, em pequenas e grandes zonas sensíveis no seu tecido nacional, por vezes com consequências de grande magnitude.
De uma assentada, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália e outros 15 países europeus anunciaram a expulsão de mais de cem diplomatas e funcionários russos das respetivas embaixadas. A maioria tem uma semana para sair do país com a sua família. Trata-se da maior expulsão coletiva de representantes diplomáticos de Moscovo de que há memória. Só dos Estados Unidos partirão 60 pessoas, a maioria, diz Washington, espiões com disfarces pouco convincentes.
Ficarão à volta de 40, acompanhados por dezenas de funcionários e espalhados por vários estados. Trata-se do maior golpe diplomático americano contra a Rússia desde que Ronald Reagan expulsou 55 diplomatas, em 1986.
Washington encerrará também o consulado russo em Seattle, que diz estar demasiado próximo de uma base de submarinos e de uma das fábricas da Boeing, que, para além de aviões comerciais, fabrica alguns dos mais importantes instrumentos militares norte-americanos.
Os outros países expulsam diplomatas russos em número variado. O Canadá afasta quatro membros da diplomacia russa que garante serem também espiões e que interferiram nos seus assuntos internos. Alemanha e França expulsarão igualmente quatro diplomatas. A Itália, dois. Espanha também. No leste europeu, região habitualmente prudente no que diz respeito a manobras que possam irar o gigante na sua fronteira, há vários países a agir. A Estónia expulsa um diplomata; a Polónia, quatro; a Lituânia, três; o mesmo número que a República Checa. A Ucrânia, há quatro anos sob as mais agressivas manobras russas, todas mais ou menos encapotadas, quase todas negadas pelo Kremlin, vai obrigar 13 diplomatas russos a abandonarem o país. Na frente europeia, trata-se do único país fora da comunidade a fazê-lo.
A manobra coletiva é oficialmente uma retaliação ao ataque químico russo contra o antigo espião Sergei Skripal e a sua filha Yulia, aparentemente atingidos com o poderoso e até agora inédito agente neurotóxico Novichok. Pai e filha foram encontrados no início do mês em Salisbury, no sul da Inglaterra, sentados, inconscientes e em estado catatónico, num banco de centro comercial. Encontram-se hoje em estado crítico, num coma do qual, segundo afirmou esta segunda-feira a primeira-ministra britânica, Theresa May, dificilmente acordarão.
“Os médicos indicaram que o seu estado provavelmente não se vai alterar no futuro imediato e que podem nunca recuperar”, disse May em Westminster, acrescentando que mais de 130 pessoas em Salisbury podem ter sido atingidas pelo agente nervoso que praticamente matou os Skripal. “Isto demonstra a natureza absolutamente bárbara deste ato e os perigos que centenas de cidadãos inocentes enfrentaram.
Motivos maiores
Theresa May, envolta num prolongado processo de divórcio e isolamento europeu, era esta segunda o epicentro da mais vasta manobra diplomática contra a Rússia desde o fim da Guerra Fria – “se a intenção do Kremlin era a de dividir e intimidar a aliança ocidental, então os seus tiros saíram-lhe espetacularmente pela culatra”, disse May, em Westminster. Mas os olhos voltavam-se esta segunda sobretudo para os Estados Unidos. E não apenas porque em Washington caiu o golpe mais duro contra Moscovo.
A ação americana, afinal de contas, é a retaliação mais severa do governo de Donald Trump contra o Kremlin desde que o novo presidente chegou à Casa Branca, coberto pela suspeita de que foi a mão russa que o colocou lá. As expulsões descrevem também uma grande distância entre a mão pesada e a postura pública de Trump, que evita criticar duramente o Kremlin e ainda na semana passada telefonou a Vladimir Putin dando-lhe os parabéns pela vitória nas eleições – contra as mais gritantes indicações do seu próprio governo. Trump ainda não falou em público sobre as expulsões, mas o Departamento de Estado garante que o presidente acompanhou e aprovou o processo.
Moscovo retaliará. Já o fez contra o Reino Unido, que expulsou há uma semana 23 agentes russos. Moscovo ordenou a saída do mesmo número de funcionários britânicos e essa regra, a da paridade, deve ser a mesma aplicada à vaga desta segunda-feira. Pelo caminho, o Kremlin continua a negar o ataque ao duplo espião: “O gesto provocador e da alegada solidariedade destes países com Londres (…) é a continuação da política de confrontação que só piorará o estado das coisas”, afirmou o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros.