Os princípios de Vestefália e a sociedade aberta

«Os dois guerreiros mais fortes são a paciência e o tempo».

 

Desde a vitória de Donald Trump nas últimas eleições presidenciais americanas, reganhou importância o debate entre os cultores da sociedade aberta, do globalismo e de uma ordem internacional liberal, e os defensores da necessidade de a comunidade internacional se moderar nos ímpetos intervencionistas e no uso da unipolaridade normativa, política e militar, de matriz ocidental.

Passados estes anos, já não é só Donald Trump a pôr em causa muito daquilo que representa o globalismo, a sociedade aberta. 

Noutros territórios do mundo, em vários continentes, outras vozes, outras organizações (que não só públicas) vão avisando, que o Ocidente, a Europa, têm levado longe demais a sua unipolaridade política, normativa, social, cultural e militar. E já não são assim tão poucas. Antes pelo contrário. 

Alguns protagonistas têm vindo a aproximar-se, nuns casos diretamente, noutros indiretamente, pela pressão de vários acontecimentos mundiais e regionais. 

Aquilo a que poderemos chamar de ‘liga dos nacionalistas, populistas e soberanistas’ começa a ser grande. E merece ser vista com atenção, no que respeita à sua composição e aos seus objetivos. 

O que unirá tão fortemente pessoas como Donald Trump, Erdogan, Putin, Duterte, Orbán e vários outros nossos conhecidos do dia-a-dia mediático, mesmo que entre deles existam divergências noutras matérias? 

Provavelmente o discordarem cada vez mais do globalismo, da sociedade aberta e do internacionalismo liberal. E unem-nos os valores identitários de base nacional, como a defesa da língua e cultura respetiva, a defesa do que é nacional e bom e deve ser prioritário, a rejeição da imigração, a defesa e a proteção das empresas nacionais, bem como a invocação dos gloriosos feitos do passado.

Henry Kissinger, há muito poucos anos atrás, a propósito da nova ordem mundial, defendeu – em livro resultante em grande parte da atualização da sua tese de doutoramento – a necessidade de regressar aos chamados ‘princípios de Vestefália’. Princípios orientadores, de séculos atrás, que permitiram que o direito internacional público moderno acomodasse valores respeitadores da soberania dos Estados constituídos de jure e de facto.

Porque foi em Vestefália que as potências da época acordaram, a bem da sã convivência inter Estados, que a soberania dos países e a legitimidade dos seus governos não deveriam ser colocadas em causa de forma instrumental. 

Quem estudar o enquadramento político e histórico à época, e conhecer o que a convenção de Viena decidiu e inspirou, perceberá o quanto é relevante atendermos à necessidade de, em pleno séc. XXI, se regressar aos princípios de Vestefália. 

O mundo de hoje é cada vez mais global. Que vive entrelaçado entre si, por uma pluralidade de relações de vária índole. As fronteiras físicas deram lugar também a fronteiras culturais, económicas, sociais, psicológicas e até linguísticas. 

O mundo vive em contradição. Totalmente aberto numas coisas, totalmente fechado noutras. Grande parte do planeta está farta do Ocidente e dos americanos. Mas parte dela ainda tem a ambição de viver como os europeus e os americanos. 

Em países como os EUA, o número de nacionais que está também farto deste estado de coisas é grande. Interrogando-se por que razão os americanos têm de continuar a ser o ‘polícia do mundo’, a gastar biliões com as guerras dos outros, com as catástrofes dos outros e acima de tudo com os problemas dos outros – quando têm em casa pobres mais pobres do que os que estão a apoiar fora de portas, desemprego em alguns Estados maior do que o dos países a quem dão apoio financeiro. 

Só nós, europeus e ocidentais, parecemos não querer perceber que a nossa unipolaridade política e militar, alicerçada na ordem internacional liberal e proclamada pela dita sociedade aberta, está a colocar-nos no olho do furacão mundial. 

São cada vez mais os países e as suas lideranças que não querem uma comunidade internacional com uma ideologia única – que é, na prática, o globalismo. O americanismo de Trump foi um dos primeiros sinais da vontade forte de recuo no liberalismo mundial e no regresso ao protecionismo. Mas não faltam variáveis de ordem económica, social, cultural, religiosa e política que dão corpo a uma força supra estadual que quer combater os exageros do globalismo e da sociedade aberta. 

Países como Portugal devem saber posicionar-se nestas matérias de refrega geopolítica, a bem da defesa dos seus superiores interesses.

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