“Há 6500 casas de segunda habitação que foram destruídas [pelos incêndios de 2017] e para as quais não está previsto ainda nenhum apoio público para a sua reconstrução.” A denúncia é feita pelo deputado do PCP João Dias, que vai hoje voltar a levar a questão ao debate parlamentar sobre o relatório da comissão independente acerca dos incêndios de outubro.
“Queremos saber se o governo vai ou não reconstruir as casas de segunda habitação”, diz ao i João Dias, que na quinta-feira passada enviou várias perguntas ao ministro da Agricultura, Capoulas Santos, para perceber se o executivo irá criar apoios para a reconstrução destas propriedades e qual o calendário para que essas ajudas comecem a chegar ao terreno.
João Dias considera a recuperação das casas de segunda habitação uma peça essencial da reanimação económica das zonas afetadas pelos incêndios. “Em muitas aldeias, estas casas chegam a constituir 30% do total das populações. Se ficarem em ruínas, vamos ficar com aldeias fantasmas.”
É que, além do efeito económico que têm as visitas frequentes de quem passa férias e fins de semana no interior, há ainda “pessoas que mantêm a primeira habitação oficial em cidades como Porto e Lisboa para não perder, por exemplo, o direito ao médico de família, mas na realidade vivem quase todo o ano nas casas que dão como segunda habitação”, nota João Dias.
A preocupação do deputado comunista faz eco de apelos que a Associação das Vítimas do Maior Incêndio de Sempre em Portugal tem feito ao governo, mas que ainda continuam sem uma resposta clara.
Para já, o executivo ainda só se comprometeu com a reconstrução das 1700 casas de primeira habitação destruídas. Mas João Dias defende que garantir a reabilitação das segundas habitações é também uma forma de prevenir novos incêndios. “Sem uma reocupação dos territórios do interior será cada vez mais difícil prevenir os incêndios. Anda tudo obcecado com a limpeza dos terrenos e isso é importante, mas não chega”, comenta o parlamentar.
Reabrir candidaturas?
À falta de apoios para reconstruir as casas de segunda habitação somam-se os problemas de proprietários que estão com dificuldades em aceder aos subsídios a que teriam direito e que têm feito chegar as suas queixas ao PCP.
“Há pessoas que por terem ficado com problemas de saúde por causa dos incêndios não apresentaram as candidaturas a tempo”, conta João Dias, que soube também de casos “de pessoas, algumas a residir no estrangeiro, que só apresentaram o processo em papel nos gabinetes constituídos para o efeito e não o fizeram na plataforma online por não saber que tinham de o fazer.”
Casos como estes e relatos de quem, “apesar de ter prejuízos superiores a cinco mil euros, só declarou esse valor para ter acesso ao regime simplificado de candidatura”, ou os de produtores agropecuários cujos anexos de recolha de animais não têm direito a apoios estão na origem da proposta que o PCP vai apresentar hoje no parlamento para “a reabertura das candidaturas de apoio às vítimas”.
Além do PCP, o CDS e o PAN aproveitam hoje também o debate sobre o relatório da comissão independente que analisou os incêndios de outubro para apresentar iniciativas sobre o tema.
CDS critica processo
Os centristas estão igualmente preocupados com as dificuldades das vítimas que ainda não receberam os apoios devidos e vão recomendar ao governo “a abertura de novo período de candidaturas” para os agricultores afetados pelos incêndios que não conseguiram candidatar-se aos subsídios a que teriam direito.
“Existe um conjunto substancial de pequenos agricultores e proprietários que apenas fizeram a primeira declaração de prejuízos e que, por isso, ficaram de fora dos apoios”, lê-se na proposta do CDS, que considera que “enquanto as candidaturas para as vítimas do incêndio de Pedrógão Grande estiveram abertas durante três meses, o prazo concedido aos lesados pelos incêndios de outubro foi inexplicavelmente curto”, tendo terminado a 22 de dezembro. Para os centristas, o processo de apoio a estas vítimas foi “inadequado, mal explicado e muito mal divulgado”.
PAN quer agravar penas
Já o PAN quer aproveitar o debate para propor o agravamento da moldura penal para o crime de incêndio. O partido quer aumentar de um para três anos a pena mínima de prisão para quem provocar um fogo florestal, mantendo a máxima de oito anos. E estabelecer que quem o faça para obter benefício económico passe a incorrer numa pena de entre cinco a 12 anos (em vez dos atuais três a 12), aumentando para quatro anos a pena mínima de quem, ao provocar um incêndio, ponha em risco a integridade física de terceiros ou provoque danos avultados (atualmente, a lei prevê uma pena de prisão de dois a dez anos).
Além do agravamento das penas de prisão, o PAN quer que o crime de incêndio passe a constar entre os delitos considerados prioritários para a investigação criminal.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já se mostrou favorável ao reforço da prioridade na investigação dos crimes de incêndio florestal, embora sublinhe que, em alguns casos, isso já acontece, num parecer pedido pela Assembleia da República.
No mesmo documento, a PGR defende que o agravamento das penas – proposto pelo PAN – é uma opção de política criminal sobre a qual não lhe compete emitir opinião, mas ressalva que os princípios de prevenção positiva e socialização do condenado “poderão ser melhor acauteladas com uma maior amplitude entre os limites mínimos e máximos da pena abstrata”, e não por aumentar as penas mínimas previstas na lei.
O i tentou perceber junto dos vários grupos parlamentares se a ideia de agravar penas e priorizar a investigação do crime de incêndio poderá convencer uma maioria de deputados. No entanto, PSD, PS, PCP e CDS admitiram estar ainda a analisar as propostas, que só deverão ser levadas a votação no plenário de quinta-feira.