“O governo preocupou-se mais com os lesados do BES do que com os lesados dos incêndios”

O deputado do PSD não critica Rio por não participar na limpeza de matas como Cristas, Marcelo e Costa. “Desde o dia em que as câmaras de televisão se foram embora que o governo abandonou aquelas pessoas”, acusa

O parlamento pode garantir hoje que as tragédias de 2017 não se repetirão em 2018?

Não. Ninguém o pode fazer. Pode dizer-se aos portugueses que, apesar de tudo o que o governo ainda não fez, a probabilidade de voltar a acontecer uma tragédia daquelas é hoje menor, também graças ao esforço de limpeza que se tem feito. Mal seria se o governo e as autoridades não tivessem aprendido alguma coisa com o sucedido no ano passado. Mas dar essas garantias que me pede, creio que ninguém pode dar. O governo nada fez para mudar a estrutura da Proteção Civil e aquilo que aí falhou no ano passado, portanto, temo o pior, desejando que o pior não aconteça.

Que consequências práticas há que tirar, nesse sentido, do relatório da comissão independente?

O relatório é quase uma sentença sobre o governo…

Uma sentença não executada… ninguém fala em eleições antecipadas, ninguém fala em demissões por causa do relatório.

Este relatório é a conclusão, a acusação e a sentença sobre a responsabilidade do governo naquilo que aconteceu em 2017. Este relatório não deixa dúvidas que nas tragédias de Pedrógão e de 15 de outubro há muitas responsabilidades do governo.
O governo aproveitou o luto de Pedrógão para fugir às suas responsabilidades. O PSD, pelo contrário, procurou fazer desse luto uma alavanca para evitar novas tragédias. A verdade é que nada foi feito depois de Pedrógão. Este relatório tem duas partes: uma que aponta o problema de território e de alterações climáticas, que é indesmentível; e outra parte que diz que houve um conjunto de falhas da Proteção Civil. Perante isso, o que eu digo é que há um conjunto de decisões do governo que precipitaram o colapso da Proteção Civil. A Proteção Civil em funções no ano passado não era a mesma que estava nos anos anteriores. Se foi a Proteção Civil que colapsou, esse colapso tem responsabilidades – e o relatório é claro nisso.

E que conclusões tira o parlamento disso?

Se o primeiro-ministro tivesse um pingo de vergonha na cara, este relatório seria o seu último ato político. Ou seja, depois deste relatório, deviam ir para casa. Dois governantes já se demitiram, mas há mais pessoas com responsabilidades graves neste governo. Eu quero saber quem nomeou politicamente e quem sugeriu os vários boys do Partido Socialista – sem experiência, sem qualificações – que foram para a Proteção Civil. Tenho a certeza que não foi só a ministra [Constança Urbano de Sousa] ou o secretário de Estado [Jorge Gomes]…

Se o primeiro-ministro, hoje, fosse do PSD, o Duarte Marques recomendava-lhe que tirasse consequências políticas deste relatório?

Evidentemente. Se eu fosse ministro numa circunstância destas, tenho a certeza do que faria no dia a seguir. Mas também tenho a certeza de que nunca teria gerido a Proteção Civil de forma tão irresponsável, colocando o interesse partidário à frente do interesse das pessoas.

Chegou a dizer numa intervenção na SIC Notícias, em que acabara de chegar de um incêndio, que ainda estava a “cheirar a fumo”. Quão difícil é não parecer populista ou exagerado num tema que a maioria não testemunhou presencialmente?

Só dois tipos de pessoas é que acharam “exagero”: quem é inconsciente e quem só se preocupa em defender o seu partido. Eu conheço muitos socialistas que concordam comigo nisto, que também viveram os fogos e também cheiraram a fumo. Só quem não tem a mínima noção do que é o interior do país e do que foi uma tragédia destas é que poderia dizer isso. Qualquer pessoa que tenha passado por aquilo ou visto as imagens se revoltaria. O relatório coloca a nu o dedo do governo naquela tragédia. Desde o dia em que as câmaras das televisões se foram embora que o governo abandonou aquelas pessoas. Nós vimos isso, hoje, em Arganil: já não se vê lá ninguém, as ajudas já não chegam a tempo, aquilo que foi prometido não acontece.

Por exemplo?

Por exemplo, os agricultores. Muitos não chegaram a ser ajudados. As empresas continuam à espera. Como o governo recorre a fundos comunitários para tudo e não investe nada do seu Orçamento do Estado, impede que muitos tenham acesso a financiamento para recomeçarem as suas vidas. Nós podemos aliviar uma empresa de pagar Segurança Social durante seis meses, mas e os salários? Repare: os verdadeiros lesados em Portugal não são os lesados do BES, que estavam por sua conta a e risco; os verdadeiros lesados em Portugal são os lesados dos incêndios, que perderam tudo graças à falta de empenho do Estado e do governo. O governo está mais preocupado em agradar aos lesados do BES do que com os lesados dos fogos em Portugal.

No passado fim de semana, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Assunção Cristas estiveram em ações de sensibilização relacionadas com os incêndios. Rui Rio foi apenas esta segunda-feira. Institucionalmente, essa opção fez sentido?

O PSD é o partido que desde os incêndios de Pedrógão diz exatamente o mesmo, com este líder ou com o anterior, e é o mesmo que acabou a ser dito pelo relatório da comissão independente. O presidente do PSD não tem de entrar em números de propaganda do governo, que são legítimos e até compreensíveis, mas não lhe compete entrar neles. Não é papel do líder da oposição fazer de ama-seca do governo, aligeirando-lhe responsabilidades.

Marcelo Rebelo de Sousa esteve a fazer de ama-seca?

O Presidente fez aquilo que lhe competia: deu o exemplo. Ao PSD, cabe fazer oposição e apontar falhas. Não são ações de propaganda do governo que vão limpar a floresta. No dia a seguir, nem as máquinas dos militares lá estão nem o primeiro-ministro. Há muita propaganda e pouco trabalho, e devia ser o contrário. A prioridade que o governo dá à limpeza, que é positiva, é uma forma que encontrou de expiar as suas responsabilidades do falhanço da Proteção Civil. Evidentemente que ninguém pode criticar o governo por tentar chamar a atenção para a importância da limpeza de matas. Isso é indiscutível. Mas não o escusa das responsabilidades reais que tem. O PSD avisou o governo em maio das múltiplas críticas à preparação da época de incêndios. Eu próprio liguei à então ministra da Administração Interna [Constança Urbano de Sousa], alertando-a para essas preocupações.

E a resposta dela foi o quê?

A resposta dela na altura foi que o secretário de Estado é que tinha essa competência e que iria averiguar. Nós alertámos que o planeamento estava mal feito – era o que diziam as corporações de bombeiros, os comandantes distritais e os especialistas. Isto foi em maio de 2017.

Se o PSD “já tinha avisado” e “nada aconteceu” antes de Pedrógão, se o PSD “continuou a avisar” antes de 15 de outubro e “nada aconteceu”, de que pode servir avisar agora?

O PSD alertou antes e alertou a seguir. Os alertas e sugestões que fizemos depois de Pedrógão foram acusados de oportunismo e demagogia. Infelizmente, o tempo deu razão a esses alertas quando a tragédia voltou a acontecer em outubro. Depois de Pedrógão, o governo esteve mais preocupado com focus groups do que em evitar a repetição dessa tragédia.

Então responsabiliza o governo pelas tragédias.

Eu não acho que o sistema tenha falhado. Eu acho que os decisores políticos ignoraram os sinais do sistema. Quer em Pedrógão quer a 15 de outubro, as entidades públicas que têm informação que permite prever e preparar o que vai acontecer alertaram e deram sinais. O IPMA avisou antes de Pedrógão e antes de 15 de outubro. O governo e a Proteção Civil ignoraram esses avisos, nada fizeram. No caso de 15 de outubro, o governo ignorou os alertas e os pedidos de meios e de prolongamento da fase Charlie. Se lermos o relatório, no capítulo 2, a Proteção Civil tinha um simulador de ocorrências para aquele fim de semana que dava mais de 500 fogos. A Proteção Civil sabia que a tragédia podia acontecer e pediu ao governo meios para fazer um combate mais eficiente, inclusivamente na fase inicial. O governo ignorou esses pedidos e fez vetos de gaveta. Isto não é ter responsabilidades?

Mas sem consequências eleitorais [o PS vence as autárquicas depois de Pedrógão] ou políticas.

Acho que está na altura de refletirmos muito seriamente sobre isto: quando entidades públicas pedem condições para trabalhar e não as têm em detrimento de outros investimentos – ou de acordos políticos – é a segurança das pessoas que fica em segundo plano. Não pode ser. A segurança dos portugueses não pode diminuir em consequência das cedências do PS ao Bloco de Esquerda e ao PCP.