O défice orçamental de 2017, excluindo a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos – um fator extraordinário e não recorrente, porque não vamos injetar dinheiro na CGD todos os anos (aliás, banco que já voltou a registar lucros) – foi de 0,92% do PIB (total da produção do país), ou seja, foi o défice orçamental mais reduzido desde que vivemos em democracia. E nada faz supor que o ímpeto da economia portuguesa esteja a abrandar. Nos primeiros dois meses de 2018 o Estado registou mesmo um excedente (as receitas foram superiores às despesas) nas suas contas. Paira no ar o doce perfume da euforia.
Neste cenário, existem pelo menos quatro opções diferentes sobre o que fazer com este bem-estar orçamental. O PCP e o BE reclamam maiores salários e regalias sociais. Em suma, mais despesa pública. Querer maiores salários parece-me uma reivindicação justa. Todavia, isso tem de ser feito gradualmente e com cuidado. Os salários andam ligados à produtividade. Qualquer empresa paga os salários que pode pagar. Querer aumentar as remunerações muito rapidamente pode trazer problemas à competitividade das empresas, tendo como consequência final o aumento do desemprego.
A segunda opção vem do CDS. Partindo do facto incontestável que as receitas do Estado atingiram no ano passado a percentagem recorde de 37% do PIB, o CDS propõe reduções na despesa pública e nos impostos. O antigo ministro da economia do governo de Passos Coelho, Álvaro Santos Pereira, independente indicado pelo PSD, e atualmente a trabalhar na OCDE (organização que agrupa os países mais ricos do planeta) já veio avisar que “Portugal tem de baixar o IRC. E muito.” Santos Pereira está claramente preocupado com a competitividade de Portugal. Contudo, na minha opinião, embora esse seja um fator ao qual devemos prestar muita atenção, não deve ser a primeira das prioridades, como a seguir tentarei explicar.
Quanto ao PSD, quer que se baixe este ano, substancialmente, o défice de 0,9% do PIB alcançado no ano passado, e que se proceda a reduções “pequeninas”, mas sucessivas, na despesa do Estado. Mais uma vez, parecem propostas sensatas. Contudo, sob pena de parecer demagógico, o PSD tem de explicar exatamente que despesas quer reduzir, o que acho que não foi feito.
O que nos deixa com a quarta e última opção, detalhada por Mário Centeno numa entrevista que deu há poucos meses ao Público: impõe-se reduzir substancialmente a dívida pública. Esta, que soma 125% do PIB, é uma verdadeira monstruosidade. Na zona-euro, só somos ultrapassados neste triste indicador pela Grécia e pela Itália (que não são países conhecidos pelo seu vigoroso crescimento económico, antes pelo contrário: a Itália, apesar de ser um país mais rico do que Portugal, cresceu economicamente ainda menos do que nós neste século, e a Grécia está só agora a sair do seu doloroso programa de resgate financeiro).
Por enquanto, tem sido possível gerir a dívida pública portuguesa graças à virtuosa combinação de um crescimento económico razoável com taxas de juro muito baixas (a 27 de março, as taxas de juro da dívida pública portuguesa com o prazo de dez anos fecharam o dia cifrando-se em 1,67%). Ora, estas taxas de juro, anormalmente baixas, não vão durar para sempre. Mais cedo ou mais tarde, voltarão a subir. E é isto que Centeno sabe e receia. Pois a combinação de altas taxas de juro com a dívida pública elevada pode ter consequências muito negativas na saúde económica de um país. Pode ser necessário aumentar os impostos para pagar os juros da dívida, e com essa subida prejudicar o crescimento económico, tão fulcral tanto para o bem-estar dos residentes de um país como para a saúde das suas contas públicas.
Por tudo isto, penso que a opção mais sensata é de facto concentrar esforços na redução da dívida pública. Será continuar a estratégia implementada por Centeno. Veja-se que, excluindo os juros da dívida, os orçamentos portugueses dos últimos anos apresentam excedentes apreciáveis (só Braga de Macedo, enquanto ministro das finanças, apesentou este tipo de excedentes orçamentais, ditos “primários”, maiores, mas foi só num único ano).
E já não há o que quer que seja para privatizar. Seriam receitas que ajudariam as contas públicas, mas já não restam ativos para o Estado vender. A redução da dívida pública tem de ser feita da maneira mais dura e difícil: mantendo os impostos elevados.
Mário Centeno reconhece o problema, por enquanto adormecido, desta monstruosa dívida pública. Assim, em lugar de desapertar alguns furos ao cinto à medida que se aproxima a data das eleições legislativas, ele prefere continuar a apostar na redução da dívida, um trabalho de que a generalidade dos cidadãos não se apercebe. Haveria seguramente maneiras mais fáceis de ganhar votos. Em suma, enquanto Mário Centeno está quase cansado de anunciar boas notícias, eu não estou cansado de o elogiar. E acho que tenho bons motivos para isso.