NA PASSADA semana, um homem de 88 anos, mas saudável, assustado com a perspetiva de ser multado por não limpar o seu pequeno pedaço de terra, e sem possibilidades de pagar a limpeza, lançou fogo ao mato – e acabou por ser engolido pelas chamas. Foi a 115ª vítima dos incêndios de junho e outubro (que, no último fim de semana, registaria mais uma, por morte de um dos feridos internados).
Confesso ter mixed feelings relativamente a esta enorme campanha para limpeza da floresta.
É claro que as pessoas – e o Estado – devem fazer a manutenção dos terrenos e das matas, para reduzir a matéria combustível. Mas, perante o que temos visto, ocorre perguntar: será pior fazer mal ou não fazer? Há sítios onde os cidadãos, assustados, arrasam tudo: ervas, arbustos, árvores, deixando os terrenos rapados. Ora, isso é um tremendo disparate.
ALIÁS, a própria Comissão Técnica Independente apontou falhas técnicas a esta lei da limpeza da floresta, o que é assaz estranho: como é possível fazer uma lei tão sensível como esta com falhas técnicas? Parece uma brincadeira.
Aliás, há erros que estão à vista de toda a gente. A lei impunha que os terrenos estivessem limpos até 15 de março, caso contrário os seus proprietários seriam punidos. Ora, percebendo que o prazo era impossível de cumprir, o Presidente da República veio dizer que o objetivo do Governo «não era cobrar multas» e que haveria «tolerância» para os não cumpridores. O que também não deixava de ser insólito: o próprio Presidente vinha dizer às pessoas que não tinham de respeitar a lei, pois esta seria certamente alterada. E o Governo não teve outro remédio senão alargar mesmo o prazo. E a ‘tolerância’ não foram mais 15 dias, nem mais um mês, nem mais dois – foram mais dois meses e meio! O prazo passou de 15 de março para 31 de maio!
E MESMO ASSIM ainda poderá levantar problemas. Porque em junho é natural que chova, tornando quase inútil a limpeza feita até aí.
Mas o prazo inicialmente estabelecido, esse, é que não fazia qualquer sentido, como a realidade veio provar: desde 15 de março já choveu imenso em todo o país, e quem tenha cumprido a lei vai ter de repetir a limpeza dos terrenos – pois o mato e as ervas voltarão entretanto a crescer. Foi trabalho ou dinheiro deitados à rua.
Este é um dos aspetos que mostram a leviandade com que a lei foi feita.
Mas há outros, designadamente a falta de informação rigorosa, que levou pessoas a cortar árvores de fruto e a deixar terrenos em estado deplorável. Entendamo-nos: a existência de árvores é importante, até porque criam sombra, impedindo que o mato cresça muito em seu redor. Por outro lado, a limpeza do solo não pode ser feita de qualquer maneira e sem critério.
É PRECISO ter em conta, por exemplo, que a camada orgânica que se acumula sobre o terreno (constituída por folhas secas, frutos, ramos partidos, etc.) é importante para alimentar a terra. Um terreno sem o alimento da matéria orgânica vai-se empobrecendo continuamente. E depois, as árvores e os arbustos são importantes para fixar as terras.
Para perceber isto, basta pensar nos taludes que ladeiam as nossas estradas e autoestradas nas zonas montanhosas. A primeira coisa a fazer, depois de construídas as vias e feitos os taludes, é plantar arbustos nessas superfícies inclinadas para agarrar a terra e impedir os corrimentos, deslizamentos e desmoronamentos. Ora, o mesmo acontece nos declives das montanhas: as limpezas mal feitas deixam o terreno a descoberto, levando a que as águas os varram, arrastando a terra e tornando-os esqueléticos a prazo. A este fenómeno se chama erosão.
POR AQUI SE VÊ que campanhas de limpeza dos terrenos feitas com pouco esclarecimento e sem critério podem ter efeitos perversos.
Eu percebo que o Governo tenha querido limpar a sua imagem depois dos terríveis acontecimentos de junho e outubro. Mas a situação exige mais calma, mais estudo, mais esclarecimento – até porque, como tentei demonstrar, os terrenos não podem ser todos limpos do mesmo modo, em todas as situações.
Esta campanha que levou ao terreno o primeiro-ministro e o Presidente da República, com vastas comitivas, foi sobretudo uma operação de marketing – que, não sendo condenável em si, pode ter nalguns casos resultados altamente perniciosos. Nos próximos meses já o veremos.