A ideia de que José Sócrates está a preparar uma candidatura a Belém é afastada pelos mais próximos do ex-primeiro-ministro. A complexidade do processo judicial que terá de enfrentar nos próximos anos dificilmente abrirá espaço para um regresso à política ativa tão cedo. Não será, porém, José Sócrates a afastar esse cenário nos próximos tempos. O ex-primeiro-ministro tem desabafado no seu cículo de amigos que a especulação à volta dessa possibilidade não é mais do que «uma nova tentativa da direita de travar uma possível candidatura».
Publicamente, a hipótese foi lançada por Marques Mendes. «Pode fazer de uma candidatura presidencial parte da sua estratégia de defesa», afirmou, no seu comentário, na SIC, o ex-líder do PSD, no final de janeiro. Sócrates foi confrontado com essa possibilidade, na sua última aparição pública, há uma semana, e disse apenas que essa é uma matéria que deve ficar «entregue aos videntes que fazem disso profissão». Mendes, no último comentário, no domingo passado, insistiu: «Ele vai ter essa tentação».
A verdade é que José Sócrates não quer, pelo menos para já, afastar essa hipótese. «Não está a trabalhar nesse cenário. Não é coisa que esteja na cabeça dele, mas também não faz sentido, nesta altura, estar a fechar qualquer possibilidade», diz ao SOL um amigo socialista.
Os que convivem com o ex-primeiro-ministro garantem mesmo que «ele não está a fazer nenhum caminho» para se candidatar, mas tudo é possível.
«Só o próprio é que pode fazer essa avaliação», disse ao SOL José Junqueiro. O ex-deputado socialista, confrontado com uma eventual candidatura presidencial, defende que Sócrates «não está limitado em nenhum dos seus direitos políticos e constitucionais». E acrescenta: «Aquilo que as pessoas têm de perceber, toda a gente tem de perceber, é que ele pode ser tudo aquilo que quiser e entender».
A ideia de que Sócrates tem «os seus direitos políticos intactos» é transmitida por outros socialistas. Todos garantem, porém, que as presidenciais não fazem parte da estratégia de defesa. «Não são essas as suas preocupações», afirma um ex-deputado.
Não é a primeira vez que uma candidatura presidencial de José Sócrates entra na agenda política. Aliás, foi o próprio a lançar a tese de que o processo judicial que está a enfrentar visou impedir a sua candidatura a Belém. «O objetivo era impedir a minha candidatura à presidência do país e que o Partido Socialista não ganhasse as eleições. Conseguiram os dois», disse, numa entrevista ao El País. Sócrates já comparou o seu caso ao de Lula da Silva, que pode ficar impedido de se candidatar à presidência do Brasil por ter sido condenado por corrupção a 12 anos e um mês de prisão.
A notícia de que Sócrates pode ser candidato não foi ignorada no PS. As relações entre Costa e o ex-líder socialista há muito tempo que esfriaram, principalmente pela forma como o agora primeiro-ministro se demarcou do processo. Sócrates não escondeu a revolta e, numa entrevista ao jornal La Voz de Galicia, confessou que a relação entre os dois «sempre foi boa», mas «tudo acabou quando» foi detido, em novembro de 2014, «e tanto ele como a cúpula do PS viraram as costas».
Prisão separou os amigos Sócrates e Costa
A relação entre Sócrates e o PS nunca mais foi a mesma desde que foi detido por suspeitas de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. Apesar de conviver regularmente com alguns socialistas em almoços e jantares que organiza, Sócrates deixou de ser convidado para ações do partido. Um dos raros convites que lhe foram feitos partiu, no Verão de 2016, do Departamento Federativo das Mulheres Socialistas de Lisboa da FAUL, para falar sobre política externa. A iniciativa não deixou de gerar polémica com Ana Gomes a defender que a imagem de José Sócrates «é extremamente danosa para o PS e para o país, e tem de ser o PS o primeiro a reconhecê-lo e não o contrário». Apesar disso, Sócrates tem tido ao seu lado alguns socialistas com peso nas iniciativas que promove pelo país fora. No lançamento do seu último livro, por exemplo, Sócrates contou com a presença de Maria de Belém, Capoulas Santos, António Vitorino, Mário Lino, João Proença e Carlos Silva. A obra foi apresentada, há um ano e meio, pelo deputado socialista Sérgio Sousa Pinto. «A vossa presença tem significado político», disse. Nos últimos tempos, o ex-secretário-geral do PS tem assumido uma posição mais recatada, mas não deixou de aceitar o desafio dos estudantes de Coimbra para falar sobre o projeto europeu e a crise.
O convite para uma conferência na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra gerou alguma polémica. Jorge Coelho comentou as críticas e defendeu que «ninguém lhe cortou os direitos políticos». No programa Quadratura do Círculo, o ex-ministro recordou que «o eng. Sócrates não foi julgado e não está condenado por nada». No mesmo programa, Pacheco Pereira também considerou que é «normal» que um ex-primeiro-ministro seja convidado para falar da sua experiência, mas achou «estranho que não lhe tenham sido colocadas questões sobre as consequências da sua governação (…) Presumo que isso tenha sido colocado como condição pelo próprio José Sócrates para falar na universidade».
Os estudantes colocaram várias perguntas a José Sócrates durante a conferência, mas nenhuma abordou os problemas com a justiça ou o pedido de ajuda externa.
Marques Mendes alinhou com a tese de que é «estranho» nenhum dos estudantes ter colocado nenhuma questão ‘difícil’: «Podiam perguntar-lhe: o senhor acha normal que uma pessoa, socialista, primeiro-ministro, ande a viver à grande e à francesa não tendo recursos para isso?».
Ao SOL, Simão de Carvalho, presidente do Núcleo de Estudantes de Economia, que organizou o evento, garante que José Sócrates «não impôs qualquer tipo de limites às perguntas. Não colocou nenhuma condição».
Coincidentemente, ou não, António Costa falou esta semana semana, pela primeira vez, das próximas presidenciais, e possibilidade de o PS apoiar a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Em entrevista à Visão, Costa lembrou que o PS tem por tradição, nas eleições presidenciais, esperar que os candidatos se apresentem e só depois tomar posição.
E não falta quem interprete as iniciativas de personalidades da direita insistirem sobre a ‘hipótese’ de uma candidatura de Sócrates, como uma forma de pressão sobre Costa para apoiar Marcelo.