Ligo a televisão e fico indisposto. Todos os dias há um grupo profissional a pedir melhores remunerações. A polémica de hoje, 3 de março, visa a atribuição de subsídios a grupos ditos “culturais” e “eruditos”. São 72,5 milhões de euros do orçamento de Estado para apoio a esses grupos, cuja produção apela apenas a uma ínfima parte da população, e que mesmo assim foram considerados insuficientes.
É absurdo pedir dinheiro estatal para tudo. Mas, quando não são os artistas a pedir, são os médicos, os enfermeiros, os professores, os polícias, os trabalhadores dos transportes públicos, etc. Perdi-lhes a conta.
De facto, isto não passa da captura do orçamento estatal por grupos de interesses. Note-se que eu sou, por exemplo, favorável à manutenção da Caixa Geral de Depósitos como um banco totalmente público, por razões de segurança. Mas a CGD opera num ambiente concorrencial com o resto da banca. Por isso, tem de pagar salários competitivos face à concorrência, sob pena de se ver privada dos seus melhores talentos. Contudo, boa parte das reivindicações salariais a que assistimos vêm de setores em que não há concorrência.
Além disso, não é de menosprezar a segurança que trabalhar para o Estado proporciona. É diferente de trabalhar no privado, onde se pode ser despedido, literalmente, de um dia para o outro, e onde não existe um subsistema de saúde generoso, com consultas médicas e cirurgias altamente subsidiadas, como é o caso da ADSE, a não ser que o empregador pague um seguro de saúde.
Enfim, de uma forma geral, os funcionários públicos estão bem remunerados e gozam de regalias que não existem no setor privado. Como sintetizou, sobre os funcionários públicos, o ex-ministro da saúde e atual CEO da CGD, Paulo Macedo: “os piores ganham o que nunca ganhariam no privado, e os melhores ganham apenas uma pequena fração.”
Esta é a situação geral. Não sou contra a existência do setor público, mas tem de existir um limite a partir do qual não se pode ceder a mais reivindicações, por serem injustas. E, em última análise, há que deixar sempre o mercado funcionar. É o mercado, meus senhores. Com regulação, para evitar abusos, deixar o mercado trabalhar é a melhor forma de garantir a nossa prosperidade coletiva, que não pode estar isenta de solidariedade. Há séculos que sabemos isso. E as pessoas que não concordam com este princípio pertencem a pequenas minorias. Ruidosas, por vezes muito eficazes, mas pequenas.
Quero acabar como comecei, no supostamente martirizado setor da cultura. O pianista chinês Lang Lang foi subsidiado no início da sua formação, mas hoje, que é uma superestrela mundial, não é a República Popular da China que lhe compra os discos. É o mercado, meus senhores, que premeia o talento prodigioso de Lang Lang. É um bom exemplo de recompensa pelo mercado de uma capacidade invulgar. E ele devolve parte do dinheiro à sociedade, promovendo a música clássica. Nessa tarefa, coloca um zelo quase evangelista. Por vezes, as pessoas excecionais são assim, mas não é preciso ser excecional para se ser assim