O advogado Daniel Proença de Carvalho chegou antes das 9h30 ao Campus de Justiça para ser ouvido como testemunha no caso Fizz. À entrada, disse aos jornalistas que não conhecia Orlando Figueira, como aliás já tinha dito anteriormente, acrescentando que só o conheceu três anos após os factos que estão a ser julgados, ou seja em 2015.
Meia hora depois, já dentro da sala de audiências voltou a repetir esta versão – que vai ao encontro do que o antigo procurador Orlando Figueira disse ontem ao coletivo, quando referiu com detalhe todas as reuniões que manteve com Proença de Carvalho.
O advogado admitiu ter tido intervenção na cessação do contrato entre Figueira e a sociedade Primagest depois de ter sido procurado pelo antigo magistrado do DCIAP e de ter percebido que por coincidência conhecia o representante da mesma empresa, o advogado Manuel António Costa.
Proença de Carvalho negou perentoriamente ter conhecimento de qualquer ligação entre a sociedade Primagest e o presidente do BPA Carlos Silva e adiantou ainda que Orlando Figueira também nunca lhe falou nas reuniões que tiveram no nome de Carlos Silva.
Proença fala de relação com Carlos Silva
Ainda que afirme que não é advogado de Carlos Silva nem do BPA, admite ter trabalhado pontualmente com o Banco Privado Atlântico e com o banqueiro luso-angolano Carlos Silva. “Não tenho nenhuma relação de caráter permanente. O escritório em que trabalho pontualmente tem prestado serviços ao BPA Angola e ao BPA Europa. Não o faz em termos de exclusividade, porque esses bancos trabalham com outros escritórios. A minha ideia é a de que nem sequer somos o escritório que mais prestamos serviços ao grupo Atlântico”, disse, frisando: “Sobre o dr Carlos Silva, salvo erro, fui advogado num processo de inquérito”.
O conhecido advogado esclareceu também que da relação profissional nasceu uma relação pessoal, que se traduz num ou noutro almoço quando Carlos Silva vem a Portugal, em que falam de assuntos como a política angolana.
Além de desconhecer as ligações do banqueiro à Primagest, diz que nem mesmo a sociedade conhecia e que só ouviu falar dela quando foi procurado por Orlando Figueira em 2015. E aqui começam as divergências de fundo, uma vez que a testemunha negou perante o coletivo de juízes ter sido contactado por Orlando Figueira como advogado de Carlos Silva.
“No dia 27 de abril de 2015, o dr Orlando ligou para o meu escritório, nunca ligou para o meu telefone pessoal, eu também nunca falei para o dele. A minha secretária não o conhecia e ele apresentou-se como advogado, a trabalhar no BCP e como magistrado do MP com licença”, detalhou o advogado, explicando de seguida porque aceitou recebê-lo com urgência: “Naturalmente que tratando-se de um colega não deixaria de marcar uma reunião, que aconteceu a 5 de maio de 2015”.
Na versão do arguido Orlando Figueira esta reunião aconteceu por indicação de Carlos Silva (a quem diz que a Primagest está ligada) numa altura em que estava saturado de não ver cumprido o contrato de promessa que tinha celebrado e de considerar que tinha valores avultados em dívida.
Mas nas palavras de Proença de Carvalho o caso é totalmente diferente, ao ponto de nunca ter havido qualquer referência ao nome de Carlos Silva: “Disse-me que tinha celebrado uns contratos com uma empresa angolana que não estavam a ser cumpridos e que depois do historial era do seu interesse por fim aos contratos”.
Perante a insistência de uma das juízas sobre o porquê de o ex-procurador o ter escolhido para resolver estes problemas, Proença de Carvalho disse ter sabido na altura que fora Iglésias Soares, administrador do Millennium BCP, a sugerir o seu nome.
E assim que viu a documentação da Primagest, continuou, percebeu que o administrador único, Manuel António Costa, era seu conhecido, pelo que aceitou por-se em campo para resolver a situação: “Eu contactei com o dr Manuel António Costa e a reação foi até de agrado. Disse que ainda bem que o dr Orlando Figueira queria desligar-se da Primagest, que isso ia ao encontro da sua expectativa. Reconhecendo até que o dr Orlando até tinha algumas razões.”
Foi a partir daí que soube que Orlando Figueira pretendia além de salários em atraso e uma indemnização receber um montante correspondente ao valor dos impostos que desde 2012 deveria ter pago e que estavam em falta – relativos a vencimentos de cerca de 500 mil euros.
“Ele disse-me que nem os rendimentos de 2012 tinha pago, dado que como o contrato de promessa não fora cumprido havia entendido que o pagamento de um ano antecipado era um sinal e não um rendimento. E disse que era o entendimento de uma pessoa das finanças que o costumava ajudar”, salientou o advogado.
Pensou que o caso tinha morrido em julho de 2015… mas não
A 16 de julho de 2015 foi feito um acerto de contas entre Orlando Figueira e Manuel António Costa e o caso deveria ter ficado por ali, mas não ficou. Proença diz que Orlando Figueira lhe ligou em novembro a pedir nova reunião: “Disse-me que estava a ser investigado pelo DCIAP num inquérito sobre um arquivamento de um caso de Manuel Vicente que partiu de uma denúncia anónima e que suspeitava ter partido de Paulo Blanco. Disse ainda estar tranquilo até porque a sua superior hierárquica tinha acompanhado o caso e que eram guerras dentro do MP”. A testemunha diz recordar-se de Orlando Figueira lhe ter dito inclusivamente que “já tinham prendido um primeiro-ministro e que se calhar agora dava jeito isto”.
Nesse encontro, segundo a versão de Proença de Carvalho, Orlando pediu ainda para que caso a investigação prosseguisse que a Primagest pudesse mostrar que nada tinha a ver com a Sonangol nem com Manuel Vicente.
Isto, porque Orlando Figueira está acusado de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola para arquivar inquéritos que o visavam sendo suspeito de receber contrapartidas de cerca de 760 mil euros e um trabalho no privado.
Trabalha para colegas sem receber
A defesa de Figueira, tal como a do arguido Paulo Blanco, tem defendido porém que o dinheiro recebido e a saída do DCIAP para o privado foi a convite do banqueiro Carlos Silva. Nesse contexto terá surgido o nome de Proença de Carvalho, que era advogado de Carlos Silva e que terá tido intervenção na parte final deste caso.
De facto, Daniel Proença de Carvalho diz desconhecer ligações entre a sociedade e Manuel Vicente, mas também afirma que não conhece qualquer elo entre a Primagest e Carlos Silva, como dizem os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco.
Um dos detalhes que mais intrigou o coletivo foi quem é que pagou os seus honorários para tratar do caso de Orlando Figueira, isto dado que diz não ser advogado de Carlos Silva, como afirmam os arguidos. E Proença de Carvalho não hesitou em dizer que trabalhou de graça: “Ninguém, em toda a minha vida fui advogado de colegas em situações mais complexas e de magistrados. Nunca recebi honorários de colegas. Foi um gesto de boa vontade. Mas se soubesse o que sei hoje…”
O telefonema para o escritório e o encontro mistério
A defesa diz que aquando das buscas da Operação Fizz Orlando Figueira ligou para Proença de Carvalho e pediu que este o representasse, tal como prova uma escuta telefónica divulgada pelo SOL. A defesa adianta ainda que apesar da recusa, Proença de Carvalho colocou o advogado Paulo Sá e Cunha à disposição do antigo procurador, com a condição de que nunca se tocasse no nome de Carlos Silva nem na conta de Andorra aberta para receber parte dos vencimentos da Primagest. As despesas com o advogado Sá e Cunha, segundo Figueira, estariam a cargo de Carlos Silva, mas Proença de Carvalho nega esta tese.
“Quando foi detido, o dr Orlando Figueira ligou para o meu escritório. Nunca aceitaria [representá-lo] porque há anos que não faço processo crime, há anos que não o faço”, disse explicando o porquê de ter dito que poderia ser mais útil se ficasse por fora: “Naturalmente que vi o senhor numa situação de stress e encontrei uma forma delicada para não aceitar. E por outro lado disse que poderia ser util no âmbito da conversa que tinhamos tido em 2015”.
Para estupefação do tribunal, Proença de Carvalho disse ainda ter visto depois da detenção de Orlando Figueira o ex-procurador no Centro Comercial das Amoreiras, isto porque após ter estado preso em Évora, o antigo-procurador ficou em prisão domiciliária com pulseira eletrónica.
A terminar a sessão da manhã, Proença de Carvalho negou ter estado com Orlando Figueira e Paulo Sá e Cunha a discutir a defesa do ex-procurador ou que sequer tivesse tido qualquer conversa com o colega sobre este assunto.
Confrontado pela defesa de Paulo Blanco, arguido e antigo advogado do Estado angolano, sobre as declarações que deu à imprensa nos últimos tempos e que davam conta de um desconhecimento do caso de Orlando Figueira, Proença de Carvalho disse não conseguir confirmar se as declarações publicadas correspondiam à verdade ou se estavam descontextualizadas. Ainda que em muitos dos casos se tratasse de comunicados enviados para os jornalistas com a sua assinatura.