Sou por vezes acusado de ser parcial nas minhas crónicas, de ser excessivamente otimista, de não esconder a minha admiração por Mário Centeno. Assim sendo, resolvi fazer uma crónica sobre aquele que deve ser o principal problema da economia portuguesa: o nosso elevado endividamento externo.
O endividamento externo da economia portuguesa – isto é, o endividamento global, do Estado, das empresas, e das famílias – medido pela posição de investimento internacional ficou, no final de 2017, e segundo os dados do Banco de Portugal, em 106,2% do PIB (total da produção do país), estável face aos 106,3% registados no ano anterior. Para termos uma ideia do enorme desequilíbrio que isto representa, o valor máximo do défice da PII recomendado pelo Banco Central Europeu é de 35% do PIB.
Esta elevada dívida é sobretudo uma consequência prática do desvario dos tempos de José Sócrates / Teixeira dos Santos, em que em por vezes o endividamento externo subiu na casa de 10% do PIB ao ano. Mas agora, que a dívida externa já existe, há que pagá-la.
Em 2017 fomos, em larga medida, vítimas do nosso próprio sucesso. Passo a explicar. A descida das taxas de juro foi uma consequência da valorização dos títulos de dívida de taxa fixa, e no ano passado a bolsa portuguesa também subiu. Desta forma, os títulos de dívida e as ações detidas por estrangeiros subiram de preço, o que, por um efeito meramente contabilístico, teve como consequência uma degradação da PII. E a valorização do euro em relação ao dólar americano, ao tornar os ativos portugueses detidos por estrangeiros que usam o dólar como moeda de base mais valiosos, também prejudicou a PII.
Efeitos contabilísticos à parte, como é que está a evoluir o nosso endividamento externo? Bem, assim, assim. A economia portuguesa continua a desendividar-se face ao exterior, e cada vez mais rapidamente. A capacidade de financiamento da economia, segundo o INE, traduziu-se num saldo positivo de 1,4% do PIB no último trimestre de 2017. Ou seja, embora a um ritmo lento, vamos pagando as nossas dívidas.
Ir reduzindo a dívida externa é melhor do que a ir aumentando. Mas não há razão para euforias. 1,4% do PIB é um valor muito inferior aos 8/10% do PIB de capacidade de financiamento face ao exterior que a nossa economia devia gerar para alcançar uma redução rápida e substancial da dívida. E estes valores, embora difíceis de alcançar, não são impossíveis. Na zona-euro, a Alemanha e a Holanda apesentam excedentes externos desta grandeza.
E, enquanto a nossa gigantesca dívida externa não for substancialmente reduzida, o nosso nível de vida não pode subir sustentadamente. Repito que esta dívida é de todos: Estado, empresas e famílias. O Estado não se está a portar mal, pois já não está longe do desejado – pelo menos por mim – equilíbrio orçamental. As empresas, para investirem e aumentarem a sua capacidade de produção, precisam de se endividarem. Como assinalou Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, esta é nova dívida a juntar à dívida já existente. Onde eventualmente devia haver mais moderação é do lado das famílias, que não deviam contrair novos empréstimos e, se possível, amortizar, pelo menos parcialmente, os empréstimos já existentes. Até porque, como não me canso de repetir, este estado da natureza com taxas de juro muito baixas, por vezes negativas, não vai durar para sempre.
A indústria de conceder crédito é poderosa, e muitas vezes muito lucrativa. Cabe, pois, aos consumidores individuais gerirem com prudência o seu endividamento. Por vezes este é mesmo necessário, por exemplo para comprar um automóvel ou uma habitação. O que se pede é que não se exagere. As suas finanças pessoais e a economia portuguesa agradecem-lhe.