Daniel Proença de Carvalho era uma das testemunhas mais aguardadas no caso Fizz. E a sessão de ontem mostrou porquê, houve contradições, acusações e troca de galhardetes. Sobretudo com o arguido Orlando Figueira, o ex-procurador acusado de ser corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola.
O conhecido advogado confirmou ter-se reunido com Figueira em 2015 para tratar da cessação de contrato com a sociedade Primagest, mas garante que não o fez como advogado de Carlos Silva, presidente do BPA – uma versão contrária à do antigo magistrado do DCIAP que diz ter sido encaminhado para o advogado a pedido de Carlos Silva, dado a Primagest, sociedade com que celebrou contrato quando saiu da magistratura, estar ligada ao banqueiro.
As divergências foram tantas que levaram mesmo a defesa de Figueira a pedir uma acareação, ou seja, uma confrontação de versões entre testemunha e arguido, o que foi autorizado pelo coletivo presidido pelo juiz Alfredo Costa.
Proença de Carvalho deixou claro que nunca tentou interferir na defesa de Orlando Figueira no âmbito do caso Fizz, que nunca falou com o antigo magistrado sobre Carlos Silva ou sobre uma possível ligação deste à Primagest, que nunca soube de qualquer conta em Andorra através da qual terão sido pagos honorários a Figueira e que nunca se encontrou com o arguido e com Paulo Sá e Cunha em simultâneo.
Perante estas declarações, Orlando Figueira esteve sempre muito inquieto, abanando em vários momentos a cabeça em sinal de rejeição. Quando chegou à sua vez de falar, o antigo procurador, num tom mais elevado, reafirmou que Carlos Silva, através de Daniel Proença de Carvalho, pagou os honorários do advogado que o representou nos primeiros meses, Paulo Sá e Cunha, com o objetivo de que não falasse nos nomes de Proença de Carvalho, de Carlos Silva nem da conta em Andorra. Manteve ainda que nas diversas reuniões, Proença de Carvalho sempre apareceu como advogado de Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millennium BCP, e que nessa condição foram diversas as vezes em que o nome do banqueiro foi referido, até por ser ele quem poderia resolver os problemas que tinha com a Primagest.
Nitidamente irritado, Figueira chegou mesmo a responder a uma provocação de Proença de Carvalho, que havia dito que para haver um acordo de cavalheiros com o antigo procurador, no sentido de não revelar o seu nome nem o de Carlos Silva, seria preciso que houvesse dois cavalheiros. “Se há aqui algum cavalheiro sou eu, porque cumpri o acordo estando preso quatro meses e uma semana numa cadeia”, retorquiu o antigo magistrado do DCIAP.
Ligação de Figueira a juiz referidas por Proença Por dois momentos, o advogado Daniel Proença de Carvalho falou das ligações de Orlando Figueira ao juiz Carlos Alexandre. No primeiro, quando questionado sobre se Orlando Figueira lhe tinha contado logo em maio de 2015 que estava a ser investigado, questionou: “Seria lógico que o dr. Orlando Figueira me dissesse logo quando me procurou que estava a ser investigado [num caso ainda sob segredo de justiça] se não o disse ao seu amigo dr. Carlos Alexandre? É que se o tivesse feito, o dr. Carlos Alexandre teria de ter feito uma participação”. O advogado disse que só lhe foi referido que estava em curso essa investigação numa reunião posterior, no final do ano de 2015 e na qual Figueira lhe terá pedido para que se fosse necessário o ajudasse a mostrar que a Primagest nada tinha a ver com a Sonangol nem com Manuel Vicente, uma vez que segundo a versão de Proença lhe foi transmitido que a investigação visaria a coincidência de datas entre o arquivamento dos processos de Vicente e a contratação pela Primagest.
E foi por esta conversa que nem precisou de fazer perguntas quando Orlando Figueira lhe ligou no dia em que foi detido: “Depois da conversa que ele teve comigo, em que ele estava com um ar pessimista, apesar de até me ter dito que se sentia mais tranquilo dada a amizade que tinha com o juiz Carlos Alexandre, era só juntar as peças”.
Num primeiro momento Orlando Figueira saltou da cadeira e soltou um “inqualificável”, mais tarde já com autorização do coletivo para falar, contra-atacou: “Nunca se falou do eng.º Manuel Vicente, nunca se falou do dr. Carlos Alexandre. Eu entendo que possa haver ódios, mas nunca se falou”.
Sobre o facto de Proença ter dito em tribunal que encontrou Orlando Figueira no Centro Comercial Amoreiras numa altura em que o arguido já estava em prisão domiciliária, o antigo procurador esclareceu que se tratou de um dia em que tinha autorização para ir falar com o seu advogado Paulo Sá e Cunha e que estacionou o carro na garagem daquele estabelecimento.
O antigo magistrado também disse que o advogado Paulo Sá e Cunha pode confirmar a intervenção de Proença de Carvalho e quem é que lhe pagou os honorários desafiando o coletivo a chamar o advogado: “Alguém está aqui a mentir, ou o dr. Proença de Carvalho ou eu, sendo que talvez o dr. Sá e Cunha possa vir esclarecer”.
Após esta declaração e de Proença de Carvalho ter reforçado que não tirava uma vírgula ao que já havia dito, a advogada de Orlando Figueira pediu que fosse extraída uma certidão com vista à abertura de um inquérito-crime a visar as declarações do advogado, o que foi deferido.
As “teorias da defesa” Para Proença de Carvalho muito do que tem sido dito em julgamento não passa de teorias da estratégia de defesa. Nomeadamente a forma como se está a ligar os seus filhos a empresas referidas neste inquérito – Graça Proença de Carvalho foi mesmo já chamada como testemunha para falar das circunstâncias em que aprovou um crédito de 130 mil euros a Figueira no BPA. “Os meus filhos têm mais de 50 anos e têm a sua vida independente. A minha filha foi para o Atlântico antes de sequer eu conhecer o dr. Carlos Silva, fez um percurso no sistema financeiro sem uma mácula. O meu filho foi para Angola há muitos anos, tem 50 e tal anos, foi montar uma grande gráfica e depois foi desafiado para outros projetos, com total independência do pai”, adiantou.
“Ou fui ingénuo ou fui parvo” Questionado pelo advogado Rui Patrício, que defende o arguido Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente, sobre se confirmava que pedir mais dinheiro à Primagest numa altura em que sabia estar a ser investigado, como fez Orlando Figueira, era um ato de ingenuidade, Proença de Carvalho reforçou o que tinha já dito durante a manhã de ontem: “O que disse é que tive um ato de boa vontade e depois vejo tudo o que sai na comunicação social… eu ou fui ingénuo ou fui parvo, nem sei como hei-de qualificar”.
É que Proença de Carvalho defende que apenas mediou uma situação entre Orlando Figueira e Manuel António Costa, administrador da Primagest e advogado em Angola que já conhecia anteriormente. Revelou ainda que mais tarde, Manuel António Costa lhe confidenciou que não havia de facto qualquer ligação entre a Primagest e a Sonangol ou entre a sociedade e o ex-vice-presidente de Angola.
Desconhecia a Primagest até conhecer Figueira Na parte da manhã, Proença de Carvalho já tinha referido ter trabalhado pontualmente para o BPA e para Carlos Silva, adiantando que daí nasceu uma relação além da profissional. Além de garantir que desconhece as ligações do banqueiro à Primagest, disse ainda que nem mesmo a sociedade conhecia e que só ouviu falar dela quando foi procurado por Orlando Figueira em 2015.
Daniel Proença de Carvalho confirmou os diversos contactos telefónicos já tornados públicos entre Orlando Figueira e o seu escritório, mas diz que foi sempre o antigo procurador a procurá-lo. Quanto ao pagamento dos seus serviços na cessação do contrato que Figueira tinha com a Primagest, explicou ao tribunal que nunca cobrou honorários a um colega ou a um magistrado do MP, negando que tivesse sido por estar mandatado por Carlos Silva: “Foi um gesto de boa vontade. Mas se soubesse o que sei hoje…”
Confrontado pela defesa de Paulo Blanco, arguido e antigo advogado do Estado angolano, sobre as declarações que deu à imprensa nos últimos tempos e que davam conta de um desconhecimento do caso de Orlando Figueira, Proença de Carvalho disse não conseguir confirmar se as declarações publicadas correspondiam à verdade ou se estavam descontextualizadas. Ainda que em muitos dos casos se tratasse de comunicados enviados para os jornalistas com a sua assinatura.
Já ao final do dia, deixou claro que, terminado o julgamento, pondera agir judicialmente contra todos os que prestaram declarações a visar o seu nome nos meios de comunicação social.