A cultura sobrevive numa casinha de papel

Por estes dias, quantas pessoas falam com fervor do argumento de ‘La Casa de Papel’ e quantas foram ao teatro no último ano? Quantos portugueses foram ver uma exposição a um museu ou levaram os filhos a um monumento? 

À data a que escrevo, as manifestações contra os financiamentos da Direção-Geral das Artes (DGArtes) ainda não ocorreram e à hora a que este jornal chegar ao leitor já terão passado. Não sei qual será o nível de mobilização nas ruas, mas a julgar pela discussão desta semana e do verniz estalado entre São Bento e a Ajuda o tumulto já atingiu um pequeníssimo objetivo: marcou a ordem do dia.

A indignação dos artistas e de quem se preocupa em estimular a qualidade da produção artística é tema quase circular de tão recorrente, que se vem alastrando nas últimas décadas. Os consecutivos orçamentos do Estado continuam a sentar a cultura na salinha dos fundos, uma que tem o papel de parede rasgado, as cadeiras desengonçadas e, em cima da mesa, só pão e água. Mas há um terceiro elemento a trazer para equação na hora em que esta discussão se impõe: o público. Por estes dias, quantas pessoas falam com fervor do argumento de ‘La Casa de Papel’ e quantas foram ao teatro no último ano? Quantos portugueses foram ver uma exposição a um museu ou levaram os filhos a um monumento? 

Certo é que essa parte da população – que é a esmagadora maioria – faz contas diárias à vida e alega que a fruição de um momento cultural é um luxo. Mas a verdade é que também é uma opção. As bibliotecas são gratuitas. Todos os meses, há museus e monumentos com um dia de entrada livre. Mas mesmo as pessoas que podem pagar têm, simplesmente, outras prioridades, que passam tantas vezes por uma ida a um restaurante da moda ao invés de desfrutarem da oferta cultural do país, que tantas e tantas vezes é apenas aproveitada pelos turistas.

A preservação da cultura começa primeiro dentro de cada um de nós, artistas, governantes ou cidadãos. E, ao contrário do que tende a parecer, gera riqueza, já para não falar da inteligência emocional, da autoestima de um povo. Algo que parece esquecido nos meios de comunicação, que lhe dão cada vez menos capa; nas escolas, em que os currículos também a chutam para canto e nos governos que lhe põe uma percentagem: agora, só vale 1%.