A defesa do antigo procurador Orlando Figueira, suspeito no caso Fizz de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola, pediu na última quinta feira que fosse extraída uma certidão das declarações de Daniel Proença de carvalho para que seja aberto um inquérito-crime. Isto porque o antigo procurador garante que o advogado, ouvido como testemunha, mentiu ao tribunal.
Daniel Proença de Carvalho confirmou que Orlando Figueira lhe confirmou que estava a ser investigado quando o caso ainda estava em segredo de justiça, tendo pensado que foram os antigos colegas do DCIAP a contar-lhe. Afastou ainda a hipótese de ter sido o próprio a contar a Figueira ou de ter sabido da mesma por qualquer outra via que não o próprio investigado: «Eu devo ser das poucas pessoas em Portugal que não sabe o que se passa lá nos processos do DCIAP… mas de facto não sei».
Além de admitir ter-se encontrado com Figueira por diversas vezes, não colocou em causa que tenha falado outras tantas ao telefone com o antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Mas a sintonia durou pouco tempo e deixou Figueira inquieto na sala de audiências.
A testemunha garantiu que nunca tentou interferir na defesa de Orlando Figueira no âmbito do caso Fizz, que nunca falou com o antigo magistrado sobre Carlos Silva ou sobre uma possível ligação deste à Primagest, que nunca soube de qualquer conta em Andorra através da qual terão sido pagos honorários a Figueira e que nunca se encontrou com o arguido e com Paulo Sá e Cunha em simultâneo. Ou seja, o contrário do que o antigo magistrado tem garantido ao coletivo presidido pelo juiz Alfredo Costa desde o início do julgamento.
Orlando Figueira foi acusado de corrupção, uma vez que, segundo a investigação, terá arquivado inquéritos que visavam o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente em troca de um contrato de trabalho no privado e outras contrapartidas que lhe valeram mais de 760 mil euros. O ex-procurador nega e diz que saiu da magistratura a convite do banqueiro Carlos Silva – presidente do BPA e vice-presidente do Millennium BCP – de quem nunca teve inquéritos em mãos. E até aqui todas as testemunhas têm afastado Manuel Vicente da sociedade Primagest, com a qual foi celebrado o contrato de trabalho. Até Proença de Carvalho afastou qualquer ligação – sem, no entanto, relacionar Carlos Silva com a sociedade.
A determinada altura, Orlando Figueira meteu o dedo no ar e pediu para falar. Quando chegou à sua vez, o antigo procurador, num tom mais elevado, reafirmou que Carlos Silva, através de Daniel Proença de Carvalho, pagou os honorários do advogado que o representou nos primeiros meses do caso Fizz, Paulo Sá e Cunha, com o objetivo de que não falasse nos nomes do próprio Proença de Carvalho, de Carlos Silva nem da conta em Andorra.
Reiterou ainda que nas diversas reuniões sobre a cessação do contrato com a Primagest, Proença de Carvalho sempre apareceu como advogado de Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millennium BCP, e que nessa condição foram diversas as vezes em que o nome do banqueiro foi referido, até por ser ele quem poderia resolver os problemas que tinha com a Primagest.
Alterado com a situação, Figueira chegou mesmo a responder a uma provocação da testemunha, que havia dito que para haver um acordo de cavalheiros com o antigo procurador – no sentido de não revelar o seu nome nem o de Carlos Silva – seria preciso que houvesse dois cavalheiros. «Se há aqui algum cavalheiro sou eu, porque cumpri o acordo estando preso quatro meses e uma semana numa cadeia», retorquiu o antigo magistrado.
Referências a Carlos Alexandre irritam Orlando Figueira
Mas esse não foi o único momento em que Proença de Carvalho conseguiu tirar o antigo procurador do sério. Por dois momentos, o advogado Daniel Proença de Carvalho falou das ligações de Orlando Figueira ao juiz Carlos Alexandre. No primeiro, quando questionado sobre se Orlando Figueira lhe tinha contado logo em maio de 2015 que estava a ser investigado, questionou: «Seria lógico que o dr. Orlando Figueira me dissesse logo quando me procurou que estava a ser investigado [num caso ainda sob segredo de justiça] se não o disse ao seu amigo dr. Carlos Alexandre? É que se o tivesse feito, o dr. Carlos Alexandre teria de ter feito uma participação».
O advogado disse que só lhe foi referido que estava em curso essa investigação numa reunião posterior, no final do ano de 2015, e na qual Figueira lhe terá pedido para que se fosse necessário o ajudasse a mostrar que a Primagest nada tinha a ver com a Sonangol nem com Manuel Vicente, uma vez que segundo a versão de Proença lhe foi transmitido que a investigação visaria a coincidência de datas entre o arquivamento dos processos de Vicente e a contratação pela Primagest.
E foi por esta conversa que, diz o advogado, nem precisou de fazer perguntas quando Orlando Figueira lhe ligou no dia em que foi detido: «Depois da conversa que ele teve comigo, em que ele estava com um ar pessimista, apesar de até me ter dito que se sentia mais tranquilo dada a amizade que tinha com o juiz Carlos Alexandre, era só juntar as peças».
Num primeiro momento Orlando Figueira saltou da cadeira e soltou um «inqualificável», mais tarde já com autorização do coletivo para falar, contra-atacou: «Nunca se falou do eng.º Manuel Vicente, nunca se falou do dr. Carlos Alexandre. Eu entendo que possa haver ódios, mas nunca se falou».
Sobre o facto de Proença ter dito em tribunal que encontrou Orlando Figueira no Centro Comercial Amoreiras numa altura em que o arguido já estava em prisão domiciliária, o antigo procurador esclareceu que se tratou de um dia em que tinha autorização para ir falar com o seu advogado Paulo Sá e Cunha e que estacionou o carro na garagem daquele estabelecimento.
As dúvidas que só Paulo Sá e Cunha pode tirar
O antigo magistrado também disse que o advogado Paulo Sá e Cunha pode confirmar a intervenção de Proença de Carvalho e quem é que lhe pagou os honorários desafiando o coletivo a chamar o advogado: «Alguém está aqui a mentir, ou o dr. Proença de Carvalho ou eu, sendo que talvez o dr. Sá e Cunha possa vir esclarecer».
Todos estes pontos de divergência levaram a defesa a pedir a extração de certidão das declarações de Proença de Carvalho para abertura de inquérito crime.
As ligações aos filhos e as ‘teorias’ da defesa
Para Proença de Carvalho, muito do que tem sido dito em julgamento não passa de teorias da estratégia de defesa. Nomeadamente a forma como se está a ligar os seus filhos a empresas referidas neste inquérito – Graça Proença de Carvalho foi mesmo já chamada como testemunha para falar das circunstâncias em que aprovou um crédito de 130 mil euros a Figueira no BPA.
«Os meus filhos têm mais de 50 anos e têm a sua vida independente. A minha filha foi para o Atlântico antes de sequer eu conhecer o dr. Carlos Silva, fez um percurso no sistema financeiro sem uma mácula. O meu filho foi para Angola há muitos anos, tem 50 e tal anos, foi montar uma grande gráfica e depois foi desafiado para outros projetos, com total independência do pai», adiantou.
A boa vontade para com Figueira e a relação com Carlos Silva
Sobre Carlos Silva, Proença de Carvalho afirmou ainda ter trabalhado pontualmente para o BPA e para o banqueiro, adiantando que daí nasceu uma relação além da profissional. Além de garantir que desconhece as ligações do banqueiro à Primagest, disse ainda que nem mesmo a sociedade conhecia e que só ouviu falar dela quando foi procurado por Orlando Figueira em 2015.
Quanto ao pagamento dos seus serviços na cessação do contrato que Figueira tinha com a Primagest, explicou ao tribunal que nunca cobrou honorários a um colega ou a um magistrado do MP, negando que tivesse sido por estar mandatado por Carlos Silva: «Foi um gesto de boa vontade. Mas se soubesse o que sei hoje…»
Confrontado pela defesa de Paulo Blanco, arguido e antigo advogado do Estado angolano, sobre as declarações que deu à imprensa nos últimos tempos e que davam conta de um desconhecimento do caso de Orlando Figueira, Proença de Carvalho disse não conseguir confirmar se as declarações publicadas correspondiam à verdade ou se estavam descontextualizadas. Ainda que em muitos dos casos se tratasse de comunicados enviados para os jornalistas com a sua assinatura.
O advogado deixou claro que, terminado o julgamento, pondera agir judicialmente contra todos os que prestaram declarações a visar o seu nome nos meios de comunicação social.