O Infarmed está a fazer pela primeira vez um levantamento antecipado dos medicamentos que vão chegar ao mercado nos próximos anos. Um inquérito destinado a cerca de 200 empresas pretende traçar um mapa da inovação até ao final de 2019, para ajudar a definir prioridades nos processos de avaliação e comparticipação, mas também para melhorar a posição do Estado no processo de negociação de preços com as farmacêuticas.
“Se estamos prestes a aprovar dois medicamentos para a mesma área, não vamos negociar 1000 doentes com a mesma empresa”, exemplificou ao i Maria do Céu Machado, presidente do Infarmed, recusando que a iniciativa vise qualquer racionamento da comparticipação de medicamentos por parte do SNS. “Não é uma questão de racionamento. Sou conselheira do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, dou aulas de Ética. Levo isto muito a sério do ponto de vista ético e, além disso, sou médica. Algo diferente é tentarmos obter melhores condições para garantir inovação para o maior número de doentes”, sublinha a responsável.
A discussão sobre como acomodar a inovação nos serviços de saúde, sobretudo numa altura em que os preços praticados pela indústria têm estado a aumentar nas moléculas mais inovadoras, é uma preocupação a nível europeu. Cética em relação aos resultados práticos de negociações conjuntas entre países, dadas as assimetrias e a menor capacidade negocial dos países mais pequenos, a presidente do Infarmed acredita que esta iniciativa vai permitir um melhor planeamento do lado do Estado português, mesmo que não forneça uma resposta definitiva sobre quantos medicamentos vão chegar ao mercado. “Há um ano estive num conselho de ministros em Malta em que interveio um investigador sobre inovação e referiu que haveria 600 novas moléculas nos próximos cinco anos. Mesmo que nem todas terminem com sucesso a fase de ensaios clínicos, é um valor indicativo”, diz Maria do Céu Machado, apontando as áreas de oncologia, neurologia e infecciologia como aquelas em que haverá mais novidades.
Em 2017, de 511 pedidos de introdução no mercado submetidos ao Infarmed, 86 eram relativos a novas moléculas ou novas indicações de medicamentos que já estavam disponíveis, por exemplo quando um medicamento para determinado tumor é considerado eficaz para outro tipo de cancro. Foram aprovados 60 medicamentos ou indicações inovadoras, dos quais 18 novas moléculas na área de um cancro – um recorde. Os preços finais são confidenciais, mas os balanços do Infarmed permitem ter uma noção do peso da inovação: até novembro de 2017, os encargos com medicamentos usados em tratamentos oncológicos aumentaram 14,4% face ao ano anterior, para um total de 266 milhões de euros.
Outra área onde a pressão é crescente, mas é possível também responder a cada vez mais casos, é a das doenças raras: no ano passado foram aprovados sete medicamentos. Ao todo, hoje estão disponíveis 60, o dobro do que havia há dez anos. A despesa acompanha essa trajetória: só no ano passado, até novembro, os gastos do SNS nesta área aumentaram 24% para 95 milhões de euros.
A iniciativa de mapeamento da inovação –a que o Infarmed deu o nome de “Horizon Scanning” – poderá no futuro ser alargada a dispositivos médicos. A agência do medicamento pretende que as farmacêuticas respondam ao pedido de informação até 20 de abril e acredita que este conhecimento antecipado das moléculas em vias de chegar ao mercado tornará mais célere a avaliação.
Maria do Céu Machado sublinha, porém, que o atual sistema de avaliação, em que os processos deixaram de estar nas mãos de peritos que trabalhavam isoladamente para passarem a ser supervisionados pela Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde, contribui para um maior cumprimento dos prazos – de 210 dias no caso da autorização para introdução no mercado.
Para a comparticipação por parte do SNS, o processo pode levar mais alguns meses. Hoje, para que a utilização por parte dos hospitais seja autorizada antes do fim da negociação financeira, as empresas devem garantir o acesso sem custos aos hospitais. Caso não haja alternativa ou o doente esteja em risco de vida, o pedido de medicação será sempre autorizado, garante Maria do Céu Machado, assumindo que a inovação é vista muitas vezes como o último recurso pelos médicos, mas importa ser avaliada com cada vez mais dados, quer antes quer depois da entrada no SNS – alguns dos novos medicamentos aprovados em 2017 já têm no contrato com a farmacêutica essa prerrogativa, para se confrontar os dados dos ensaios clínicos com informação de doentes no contexto do dia-a-dia. “Os médicos são muito deslumbrados. Quando um doente está a morrer, deitamos a mão a qualquer coisa. Fiz isso muitas vezes ao longo da minha vida.”