São pouco habituais conflitos abertos entre presidentes e jogadores, mas Jorge Silvério recorda que, na Grécia, o Olympiacos vive uma situação relativamente parecida. O impacto da crise do Sporting na mente dos jogadores é quase certo. Até que ponto a cabeça afeta o rendimento desportivo? Não há medições exatas, mas o impacto é inequívoco, diz o psicólogo do desporto. Neste caso, porém, a união entre jogadores pode fazer a diferença.
Que impacto tem uma situação como a que vive o Sporting na mente dos jogadores? Recorda algo parecido no mundo do desporto português?
Não é muito usual um conflito aberto entre presidente e jogadores, não só em Portugal mas também no estrangeiro. Curiosamente tivemos uma situação muito parecida na Grécia não há muito tempo. O presidente do Olympiacos, faltando algumas jornadas para acabar o campeonato, mandou os jogadores da equipa de férias e vai fazer os últimos jogos com juniores. De alguma forma, é parecido com o que passa no Sporting. Entrou em conflito com os jogadores faltando cinco/seis jornadas para o fim da época, de alguma forma culpando os jogadores pelo mau resultado. Feita esta contextualização, um conflito destes não é bom para nenhuma organização, muito menos para um clube de futebol. A partir do momento em que quem manda e os assalariados estão em conflito, é evidente que o impacto que pode haver no rendimento desportivo é negativo. Mas também pode acontecer outra coisa, que é o que se viu neste ultimo jogo com o Paços de Ferreira: treinador e jogadores estando do mesmo lado, pode ter o efeito oposto.
E Jorge Jesus acabou por assumi-lo claramente…
Sim. Essas afirmações que fez, por exemplo de que só se a polícia interviesse é que não jogariam os melhores, podem ajudar a reforçar o espírito de grupo – infelizmente neste caso contra o presidente – mas fazendo com que o rendimento desportivo saia beneficiado. Isto é algo de que as pessoas não falam tanto mas pode haver este efeito.
Este tempo que vivemos em que os assuntos acabam por ser muito mediatizados, juntando-se aos media tradicionais as redes sociais, contamina o balneário ou os jogadores tendem a estar mais resguardados?
Acaba por refletir-se. Só se metêssemos os jogadores numa redoma é que eles não eram afetados. Há jogadores que têm por hábito não ser assíduos frequentadores das redes sociais, alguns até para se protegerem dos comentários, mas acaba sempre por lhes chegar alguma coisa. A família sabe, sabem os amigos, há sempre alguém que comenta. Não é preciso ser só nas redes sociais, não se fala de outra coisa. Podem tentar arranjar estratégias para se isolar um pouco mas é difícil.
Num desporto fisicamente exigente como o futebol, até que ponto o estado mental interfere com o desempenho?
Não há um estudo que quantifique o impacto, ainda não chegámos a esse grau de objetividade. Pela minha experiência no terreno e académica, e por aquilo que os jogadores comentam, é evidente que tem impacto. Mesmo quando fisicamente se está bem, se psicologicamente não se estiver, o rendimento desportivo pode ser afetado. E há aqui uma agravante: estamos no fim da época, em que o desgaste mental já é grande. Por outro lado, está-se na fase das grandes decisões: o Sporting ainda está a lutar pela Taça de Portugal, pela passagem à fase seguinte da Liga Europa, ainda está a lutar pelo campeonato, embora um bocadinho mais para trás – e tudo isso faz com que o impacto no rendimento desportivo possa ser grande.
Nesse sentido, esta crise pode ser um ponto decisivo no desfecho da época?
Pode, claramente, mas para os dois lados: ou funcionando mal ou para unir mais os jogadores, até para provarem o que valem. Pelo que se vai sabendo tudo terá começado há mais tempo, mas a gota de água foram as críticas aos jogadores depois do jogo contra o Atlético de Madrid.
Para haver esse efeito positivo, será necessário que a agitação acabe, não?
Sim, é preciso que isto seja resolvido rapidamente. Um dos fatores que interfere mais no rendimento desportivo tem a ver com a ansiedade e as situações de incerteza são das que geram mais ansiedade. É preciso perceber que ser futebolista, talvez mais do que outra modalidade, é uma profissão sujeita a um grande stress: os jogadores estão semanalmente a ser avaliados e diria que na maior parte das profissões isso não acontece.
Podem passar de bestiais a bestas num instante.
Sim. Isso já traz, em si, alguma ansiedade. Estas situações contribuem com mais incerteza, portanto quando mais tempo durar, mais difícil será não afetar o rendimento desportivo.
Tem sido feita alguma análise ao comportamento intempestivo de Bruno de Carvalho. Parece-lhe uma questão de personalidade ou algo mais, um distúrbio?
Não me consigo pronunciar sobre esta questão só pelo que vai aparecendo na comunicação social.
Pode ser uma personagem?
Claramente. Aliás, no meio desportivo e não só, vemos pessoas a encarar uma persona até em termos estratégicos. Quase todos fazemos um pouco isso: o que somos em público é diferente do que somos em privado.
Há alguns estudos que associam uma personalidade mais psicopata à política. No desporto existem esses trabalhos?
Há alguns estudos sim, até no caso da liderança de empresas. No mundo do desporto não há nada sobre isso.
Não indo tão longe, foi por exemplo criticada a arrogância de nomes como José Mourinho, o que é visto até como caminho para os bons resultados.
Sim, mas a arrogância, mais uma vez, pode ser algo estratégico, num sentido de levar a atingir um determinado objetivo. É impossível fazer um diagnóstico.
Eduardo Barroso, amigo de Bruno de Carvalho, disse entretanto que o presidente está em “burnout”. Vê sinais disso?
Mais uma vez, é difícil falar à distância agora hipoteticamente e dado toda a conjuntura é uma hipótese com sentido. Dados os conhecimentos do Dr. Eduardo Barroso e o grau de proximidade com o presidente do SCP, se ele disse ganha credibilidade, mas sem mais dados é impossível afirmar com certeza…
No mundo do desporto, e do futebol em particular, é comum o “burnout”/esgotamento?
É comum.
E assumir uma fragilidade psicológica, como vimos recentemente fazer o jogador André Gomes?
Alguém do desporto assumir uma fragilidade não é muito comum e no futebol ainda menos. O André Gomes foi corajoso sem dúvida e ainda hoje agradeceu aos fãs do Barcelona o apoio que lhe têm dado desde essa altura.
Neste caso concreto da crise do Sporting, qual seria a sua prescrição?
Que rapidamente as coisas chegassem a bom porto e houvesse um consenso entre presidente, treinador e jogadores até ao final da época.
Estamos perante um conflito em que ainda há hipótese de mediação ou não?
Diria que sim, mas quem terá sempre a última palavra são os sócios do Sporting, que são soberanos para decidir o que pode e deve acontecer.