A denúncia de crianças a ter de fazer quimioterapia numa zona de passagem no Hospital de S. João, no Porto, gerou ontem uma onda de indignação no país. Ao i, António Oliveira e Silva, presidente do conselho de administração do hospital, admitiu que esta não é a única situação que o deixa desconfortável na instituição, embora considere que terá sido algo pontual, por falta de vaga na sala que costuma ser usada, num espaço “exíguo” para as necessidades.
“Não temos investimento no S. João há dez anos”, diz o responsável, revelando que além do pedido de verbas para a construção da ala pediátrica, que funciona em contentores desde 2011, há investimentos pendentes no bloco operatório central, no ambulatório e num piso técnico. E há ainda equipamento que já devia ter sido substituído. “Só fizemos obras em 60% do hospital. O resto, 40%, continua com as instalações de origem, que são de 1959. Temos equipamentos que já ultrapassaram todos os prazos de validade e precisam de ser renovados urgentemente”, diz António Oliveira e Silva, que assumiu a liderança do hospital em fevereiro de 2016. Ao todo, o plano de investimento do hospital até 2019 totaliza cerca de 70 milhões de euros.
Ontem, depois de o “JN” ter revelado as condições dos tratamentos oncológicos a crianças no hospital, o governo garantiu que os 22 milhões de euros prometidos desde o final do ano passado para a ala pediátrica serão desbloqueados “em breve” – garantia que não tranquilizou por completo o administrador, que diz ter tido a indicação da tutela, em fevereiro, de que faltavam apenas algumas assinaturas – isto num dossiê em que têm o compromisso do governo desde junho de 2017.
Oliveira e Silva diz temer que a recente estrutura de missão criada para supervisionar as contas e investimentos dos hospitais – sob tutela das Finanças e da Saúde – faça atrasar ainda mais os processos. Quanto à afirmação recente de Adalberto Campos Fernandes – “somos todos Centeno” –, diz ser “a opinião do senhor ministro”, respondeu ao i. “Nós encaramos isso como boutades políticas, não como alguma coisa que tenha influência direta na nossa performance.” Pior caiu a crítica à existência de má gestão na saúde. “Eu posso compreender algumas posições do Ministério da Saúde, mas já me é difícil aceitar afirmações generalistas, como haver má gestão na saúde, vindas de quem quer que seja. A gestão em saúde mede-se essencialmente pelos resultados em saúde, e os resultados em saúde pelo bom desempenho do hospital na prestação de cuidados de saúde. Claro que temos de ter em atenção os custos, mas não adianta nada ter baixos custos se tivermos maus resultados. Então tinha melhor performance um hospital que não tivesse doentes.”
Partidos exigem esclarecimentos Da esquerda à direita, os partidos exigem esclarecimentos sobre o caso. O Bloco de Esquerda avançou com um projeto de resolução para que a verba de 22 milhões de euros prometida a 1 de junho de 2017 seja libertada. “O governo tem de decidir o que quer: fazer um brilharete com 0,9 ou 0,7 de défice ou investir na saúde das pessoas”, disse o deputado do BE Moisés Ferreira.
Da parte do PCP, a decisão é chamar à Comissão de Saúde o ministro Adalberto Campos Fernandes para uma audição de urgência. Nuno Magalhães anunciou que o CDS enviou um requerimento com 14 perguntas para o governo responder sobre o que se passou. “Esperamos com a máxima urgência que o ministro da Saúde, o ministro das Finanças e até o primeiro-ministro venham esclarecer se conhecem estas situações, o que fizeram ou o que não fizeram para as obviar”, disse o líder da bancada parlamentar. Do PSD, Ricardo Batista Leite anunciou o envio de uma pergunta ao governo pedindo esclarecimentos sobre a situação. Para além disso, o deputado social-democrata, à semelhança dos restantes partidos, vai questionar Mário Centeno sobre o assunto durante a audição na Comissão de Saúde que decorre hoje. O bastonário dos médicos também considerou a situação lamentável. “O que se está a pedir não é a construção de um hospital novo, é que as crianças e os respetivos profissionais, que estão em contentores no jardim do São João, passem para dentro do hospital”, disse Miguel Guimarães.
Com Filipa Traqueia