Hectares e hectares cultivados quase sem intervenção humana e agricultores que veem a sua atividade substituída por automatismos, robôs ou inteligência artificial. Como sempre, há quem olhe para esta evolução como uma ameaça e há outros que a encaram como um desafio e uma oportunidade inédita.
Foi esta segunda variante que esteve em destaque no mês passado no ‘Smart Agrifood Summit – Lisbon’, evento organizado pela NAVES, sociedade de capital de risco, e realizado na AESE Business School. Durante a sua intervenção, Marc Vidal, keynote speaker e especialista em Transformação Digital, revelou a evolução digital e as perspetivas da inovação tecnológica em diversas áreas e, em concreto, no Agribusiness.
Segundo o tecnólogo (ver entrevista ao lado), há uma disputa na Europa pela disseminação do conceito ‘agrotech’, com Lisboa, Paris, Berlim e Málaga a destacarem-se, sendo nesta última cidade que, em junho, terá lugar o Smart Agrifood Summit, onde estará patente todo a vanguarda tecnológica do setor.
Aqui estarão três empresas portuguesas – Bitcliq, Sensefinity e Wisecrop – que ganharam o acesso ao Elevator Pitch em Málaga, do qual a iniciativa de Lisboa foi um dos “eventos satélite”.
Ao i, Orlando Remédios, responsável da Sensefinity, aponta que “eventos como o Smart Agrifood Summit inserem-se na importante criação de um ecossistema na qual se auxilia a ligação dos atuais intervenientes na agricultura com as startups que potenciam as capacidades dos operadores atuais”.
Facilitação Na opinião do responsável da empresa portuguesa, que desenvolveu uma solução de rastreabilidade baseada na tecnologia IoT (Internet of Things), focando-se principalmente na gestão de cadeia de frio de alimentos perecíveis, é cada vez mais “necessário a facilitação da integração de novas tecnologias no Agribusiness”, a interação entre Startups e empresas estabelecidas “é fundamental para tal” e eventos como o “Smart Agrifood Summit ajudam a criar a ligação entre os intervenientes”.
Também Tiago Sá, da Wisecrop – empresa que desenvolveu um sistema integrado baseado numa rede de sensores sem fio que recolhe dados do clima, solo e plantas no campo e permite que o agricultor tome decisões sobre irrigação, controle de pragas de doenças, planos nutricionais e colheitas – , considera que “este tipo de eventos são muito importantes na medida em que permitem a promoção das soluções existentes”. Para o responsável da empresa, “um dos maiores desafios que estas startups e empresas enfrentam é a forma de chegar aos agricultores, de lhes mostrar que existem e o que fazem. Estes eventos vêm simplificar esse processo”.
Segundo Tiago Sá, a “mudança de mentalidades é algo que dificulta a propagação rápida deste tipo de evolução” mas tem havido progresso “ao longo dos últimos 4 ou 5 anos” e agora já há uma “perceção diferente do valor destas soluções”.
Desafios Mas há ainda desafios, acrescenta, que passam pela “legislação adequada e que fomente a adoção destas tecnologias, que a maior parte das vezes são baseadas em softwares” bem como a “presença de grandes colossos deste setor que ditam ‘as regras do jogo’ e podem colocar entraves à entrada destas novas soluções”.
Mas a dinâmica no setor é cada vez maior, tal como demonstra o levantamento pela NAVES do Fundo Green & Blue Growth, destinado a investimentos em iniciativas empresariais dos setores da agricultura/agrotech/agro-indústria, floresta, recursos naturais e economia do mar.
Ao i, Rita Sousa, Managing Director da NAVES, explica que houve três razões principais para levantar o fundo: “o forte crescimento dos setores da agricultura e economia do mar, no centro dos grandes desafios para as próximas décadas, consequência do aumento demográfico e da pressão do mesmo na produção; a segunda pela imensa necessidade de tecnologia e inovação tecnológica para otimização da produção e processos industriais destes setores; e por último pelo aparecimento de iniciativas empresariais de grande qualidade em Portugal e no contexto internacional representando as mesmas uma ótima oportunidade de investimento”.
Segundo Rita Sousa, “o ecossistema de apoio à inovação destes setores em Portugal, incluindo incubadoras especializadas, programas de aceleração com programas verticais, tem evoluído muitíssimo nos últimos anos, dando já cartas e sendo referências no ecossistema internacional, atraindo por isso muitas empresas startups internacionais”. No entanto, aponta, há “naturalmente ainda muito para fazer e por todos os atores, porque o ecossistema empreendedor é ainda no seu todo muito jovem”.
A Managing Director da NAVES – sociedade que investe em startups de vários sectores de atividade nas fases de “seed capital”, “early stage” ou expansão inicial – defende que a aposta no agronegócio “tem de ter como base para a sua sustentabilidade, a diferenciação e a inovação”, sendo a inovação tecnológica “um fator chave para permitir ao setor primário em Portugal e na Europa modernizar-se e tornar-se cada vez mais eficiente, rentável e competitivo face a outros mercados”.
Revolução Segundo Tiago Sá, há uma revolução no setor. “Agricultura 4.0, uma Revolução Tecnológica que visa ajustar as tecnologias e soluções (…) às dificuldades sentidas pelos agricultores, nomeadamente a demanda de alimentos associada ao crescimento populacional, as restrições alimentares e cuidados de saúde, e as exigências de certificações para aos mercados internacionais”, diz.
Também Orlando Remédios considera que os “setores agrotech e a economia do mar estão a ganhar relevância face à crescente pressão para suportar o aumento da população com uma área arável cada vez mais pequena”, acrescentando que “as novas tecnologias podem ser a solução para estes problemas”.