“Uma guerra contra o Irão e a Rússia não é nossa. Não corresponde em nada aos interesses estratégicos franceses nem aos da Europa”, escrevia Caroline Galactéros, doutorada em Ciência Política, no “Le Figaro”. A também coronel na reserva referia-se à quase inevitabilidade da participação francesa no conflito sírio. O presidente Emmanuel Macron está refém das suas palavras, pois ameaçou Bashar al-Assad de que a França retaliaria em caso de outro ataque químico contra civis na Síria.
No domingo, Macron e Trump falaram por telefone e o chefe de Estado francês terá insistido na necessidade de não deixar passar em claro esta ação. E o presidente norte-americano terá anuído. Refere a “Foreign Policy” que Trump “concordou que o regime de Assad deve ser responsabilizado pelos seus contínuos abusos dos direitos humanos”, isto mesmo depois de ter afirmado recentemente que os Estados Unidos pretendem retirar rapidamente as suas forças da Síria.
Na terça-feira, Macron avisou que “nos próximos dias” se tomará a decisão se EUA e França avançam ou não para o ataque. “A nossa decisão não visa os aliados do regime ou atacar alguém em particular, mas atacar as capacidades químicas do regime”, sublinhou o presidente francês, para depois salientar que “não quer uma escalada” no conflito sírio.
No entanto, Macron não pode deixar passar em claro o ataque químico – mesmo que não haja provas substanciais de que realmente aconteceu e Rússia e China tenham vetado no conselho de segurança da ONU a possibilidade de uma investigação das Nações Unidas ao que realmente aconteceu em Douma. Tanto a Rússia como o governo sírio garantem que o ataque químico não aconteceu.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) referia ontem, no entanto, que cinco centenas de pessoas terão sido afetadas pelo ataque na cidade que é controlada pelos rebeldes. Citando informações de organizações de saúde com quem habitualmente trabalha, a OMS diz que pelo menos 500 pessoas deram entrada nos hospitais com sintomas que podem ser atribuídos à exposição a químicos tóxicos.
A Organização para a Proibição de Armas Químicas já anunciou que vai analisar o caso em reunião, na segunda-feira, em Haia, na Holanda. E que pretende enviar uma missão de inspetores para o terreno que na terça-feira já se preparava para partir.
Ontem, o tenente-general Viktor Poznikhir afirmou que “unidades da polícia militar russa serão colocadas na cidade de Douma para assegurar a segurança, manter a ordem e prestar assistência à população local” – o que aumenta o risco de baixas russas em caso de ataque franco-americano.
Seja como for, Macron não se pode dar ao luxo de voltar atrás na palavra dada, correndo o risco de parecer fraco. Tal como ele próprio explicou, em entrevista ao “Le Figaro” o ano passado: “Quando se fixam limites, se não sabemos como fazê-los respeitar, estamos a decidir ser fracos.” O limite para a paciência francesa foi estabelecido: um novo ataque com armas químicas tem de implicar uma retaliação da França.
“Se forem usadas armas químicas no terreno e soubermos qual é a sua proveniência, a França lançará ataques para destruir os stocks de armas químicas”, afirmou o chefe de Estado francês no verão passado.
A posição de Macron mereceu reações contrárias à esquerda e à direita, considerando muitos que a expedição punitiva francesa só irá “acrescentar guerra à guerra”, como refere o “Libération”. “Todas as soluções possíveis” devem ser gastas antes de “entrar na guerra”, referiu o deputado Sébastien Nadot, do partido do presidente.
Reino Unido no mesmo barco
Na terça-feira, a primeira-ministra britânica, Theresa May, juntou-se ao mesmo barco, considerando também ela que a comunidade internacional “precisa de responder” ao ataque químico de Douma. Mesmo assim, a líder britânica parece mais relutante em embarcar numa frente unida contra alvos sírios. May e Macron falaram na terça-feira e concordaram em “continuar a trabalhar juntos”, mas Londres não se comprometeu com ações militares. A Casa Branca, por seu lado, emitiu um comunicado a referir que Trump e May “concordaram em não permitir que se continuem a usar armas químicas”.
Christian Makarian, diretor delegado da revista “L’Express”, escrevia ontem que “a aliança das três potências – Rússia, Irão e Turquia – não faz mais do que incentivar e aprofundar o desmembramento da Síria. Essa é a razão pela qual, apesar de tudo o que podemos objetar a um ataque ocidental, Emmanuel Macron está certo em juntar a ação à palavra”.