Donald Trump fez ontem guerra como faz política e disparou de manhã um arsenal de ameaças bombásticas contra velhos e novos inimigos que levaram o mundo a um estado de nervosismo que, ao final do dia, parecia não ter justificação. O presidente norte-americano é ele próprio uma bomba imprevisível mas, no começo da noite, muitas horas depois de Donald Trump ter prometido no Twitter uma salva de novos, sofisticados, inteligentes e imparáveis mísseis a caminho do território sírio, possivelmente dilacerando pelo caminho homens e equipamentos russos, os seus conselheiros mais credíveis asseguravam que ainda nada estava decidido no que diz respeito à retaliação contra o aparente ataque químico do fim de semana. Em todo o caso, tudo a postos para fazer o que o homem da Casa Branca decidir, como afirmava Jim Mattis, o secretário da Defesa. “Estamos preparados para oferecer opções militares caso elas sejam convenientes.”
À hora de fecho desta edição assistia-se a um início de noite improvável. Donald Trump começou o dia respondendo a uma vaga ameaça russa da qual, a começo, não se conhecia a origem. “A Rússia promete abater qualquer e todos os mísseis disparados contra a Síria”, escreveu o presidente no Twitter, o seu campo de batalha favorito. “Prepara-te, Rússia, porque eles estão a caminho, bons, novos e ‘inteligentes’”, sentenciou, numa ameaça para muitos impensável mesmo em tempos de Guerra Fria. Pouco depois, parecia tentar arrefecer as águas avaliando o estado das relações com Moscovo, as mesmas que prometeu melhorar e que só lhe têm dificultado a presidência. “A nossa relação com a Rússia está pior do que alguma vez esteve, e incluo aqui a Guerra Fria. Não há nenhum motivo para isso. A Rússia precisa da nossa ajuda para a sua economia, algo que se podia fazer com facilidade, e precisamos de trabalhar juntos. Paramos a corrida às armas?”
As duas mensagens de Trump são difíceis de conciliar. Na primeira, ameaça um dos dois países que sustentam o regime de Bashar al-Assad com armamento de ponta. Na segunda, sugere o fim da corrida às armas. Mas poucos prestaram inicialmente atenção à mensagem de apaziguamento. A ameaça causou o alvoroço internacional. A Rússia desviou praticamente todos os seus meios militares na Síria para a sua base em Latakia, na costa com o Mediterrâneo e longe dos mais prováveis alvos do regime de Bashar al-Assad. O presidente sírio, por sua vez, partiu para abrigos de emergência na companhia do seu círculo íntimo e por lá continuava ontem à noite. A autoridade europeia de tráfego aéreo alertou as companhias para que evitassem o espaço aéreo sírio – a TAP, explicou em declarações ao i, não teve que o fazer, uma vez que não tem rotas que atravessem a zona. “Não participamos em diplomacia através do Twitter”, respondia, a partir de Moscovo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Já a porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, disse que um ataque americano pode desfigurar as provas do ataque químico – que, diz Moscovo, nunca aconteceu.
Ao começo da noite de ontem, ainda não existiam indícios do ataque anunciado por Trump, que prosseguiu o seu dia como se de manhã não tivesse ameaçado um inimigo histórico e o possuidor do segundo maior arsenal nuclear do mundo. De acordo com o “New York Times”, o governo americano ainda se encontrava de noite a deliberar sobre um passo difícil, mas já prometido. Washington quer retaliar contra o regime sírio pelo ataque que no fim de semana parece ter matado mais de 80 pessoas nos arredores de Damasco, mas não sabe ainda como o fazer. No ano passado, também em abril, Donald Trump conquistou uma das suas principais vitórias ao comandar o disparo de 59 mísseis Tomahawk contra uma base aérea síria no centro do país, retaliando contra um outro ataque químico e fazendo o que Obama prometera mas não cumprira em 2013. O ataque destruiu algum material sírio, dois ou três caças e matou nove soldados de Assad.
O ataque cirúrgico do ano passado não bastou para dissuadir Bashar al-Assad de um novo ataque químico e Donald Trump enfrenta agora um novo e mais espinhoso problema. A demora na retaliação prometida é revelador. Os Estados Unidos estão a preparar um bombardeamento mais severo, que, provavelmente, demorará dias a concluir, segundo o diário nova-iorquino, mas que, precisamente por isso, arrisca consequências insuportáveis em Washington. É agora claro que Bashar al-Assad não abandonará a presidência como passaram anos a exigir norte-americanos e europeus e um ataque que o debilite pode provocar um de dois desfechos: pode forçar Irão e Rússia a aumentar a parada e elevar a assistência ao ditador sírio, ou, por outro lado, causar uma derrocada parcial do regime numa guerra na qual a oposição moderada no exílio é há muito irrelevante no terreno. Não há decisões boas para Trump. Também não há estratégia americana para a Síria para além do combate ao Estado Islâmico. Só há riscos. E muitos, como explica Bruce Blair, investigador na Princeton University: “Sem objetivos claros e uma estratégia para a Síria, fazer explodir as bases aéreas do regime e outras instalações militares não cumpre objetivo nenhum e aumenta os riscos de um conflito direto com a Rússia”, afirmou ao “Guardian”. “O pano de fundo disto são dois Estados nucleares com milhares de mísseis nucleares armados prontos a disparar.”