As autoridades russas e sírias autorizaram esta terça-feira a entrada dos nove cientistas da Organização Internacional para a Proibição das Armas Químicas na cidade de Duma, passados dez dias dos aparentes ataques com armas químicas lançados pelo regime de Bashar al-Assad.
A equipa de peritos internacionais transporta um fardo pesado.
Ao longo dos próximos dias vai recolher amostras, materiais e testemunhos num local controlado dominado pelo suposto autor do ataque químico e um dos seus principais aliados, no esforço de produzir um relatório que necessariamente irritará uma das alianças implicada na guerra civil. Em causa está, pelo menos em parte, a legitimidade dos bombardeamentos ocidentais do fim de semana, assim como a justificação-chave do eixo sírio, segundo o qual a causa rebelde não existe e as suas histórias de violência desumana não passam disso mesmo: uma encenação.
Os países que bombardearam três alvos do regime no fim de semana dizem que já têm provas suficientes de que Assad usou armas químicas no ataque da madrugada do dia 7 de abril em Duma, na altura o último bastião rebelde de Ghuta Oriental. Os EUA asseguram mesmo que têm amostras de sangue e urina das vítimas, e que a partir delas concluíram que o ataque de há duas semanas usou cloro e um agente nervoso não identificado. França e Londres dizem também que estão certos do ataque químico.
Em todo o caso, os três mostram-se preocupados com a movimentação da polícia militar russa e os homens de Assad, que dois dias depois do ataque reocuparam Duma. Washington afirma ter indícios de que os agentes russos podem já ter manipulado amostras preciosas. O Kremlin nega-o. Esta terça-feira, porém, o diário “Guardian” e a principal organização internacional de ajuda médica na Síria insistiam na tese da manipulação.
O jornal britânico avança que vários dos médicos sírios que assistiram as vítimas do ataque em Duma estão há cinco dias sob ameaças e vistorias severas às mãos do regime de Bashar al-Assad. A União de Organizações de Cuidado Médico e Assistência (UOSSM, em inglês) afirmava esta terça-feira o mesmo.
O “Guardian” diz ter falado com médicos sírios sob pressão, assim como com ativistas exilados que tentam retirá-los do país. Como Tayara, por exemplo, atualmente na Turquia. “Destacaram uma força militar muito forte logo depois do ataque e que tem assediado médicos e funcionários de saúde de formas muito evidentes”, conta ao jornal. “Cada médico que tente abandonar Duma é revistado com vigor, especialmente em busca de amostras. Num posto médico, sete cadáveres foram levados. A polícia militar russa está profundamente envolvida nisto. Estão a dirigir as coisas.”
Prova inútil?
A OPCW está impedida de atribuir responsabilidades pelo ataque do dia 7. À organização cabe-lhe apenas determinar se existiu, ou não, ataque químico. Fez o mesmo à distância no ano passado, analisando o ataque de Khan Shaykhun, em Idlib, nos quais afirma que se usaram armas químicas. As Nações Unidas fizeram uma avaliação semelhante em 2013, no ano do grande bombardeamento com Sarin dos bairros de Ghuta Oriental – o relatório do Conselho dos Direitos Humanos da ONU sugeriu em 2014 que o regime foi responsável, mas evitou acusá-lo determinantemente.
Mas mesmo as análises da OPCW podem ser ignoradas. O Kremlin fez isso mesmo na semana passada, respondendo à análise do envenenamento do ex-duplo espião Sergei Skripal e sua filha, Yulia, dizendo que a organização participa num complô ocidental contra a Rússia.