David Copperfield. Luís de Matos fala sobre o truque revelado em tribunal

O ilusionista norte-americano é acusado de negligência por um participante que se magoou durante um dos seus espetáculos e foi obrigado em tribunal a revelar o segredo de uma das suas ilusões mais conhecidas. Para Luís de Matos a revelação só traz vantagens

Costuma-se dizer que um mágico nunca revela os seus truques, mas David Copperfield, o famoso ilusionista dos Estados Unidos, viu uma das suas ilusões ser desvendada num tribunal britânico, no âmbito de um processo em que é acusado de negligência por um chef de cozinha que caiu – e sofreu lesões cerebrais devido à queda – quando participou num truque do mágico. Os advogados de Copperfield tentaram proteger a ilusão, solicitando que o público não tivesse acesso ao processo, mas o pedido foi rejeitado pelo tribunal.

Tudo aconteceu em 2013, durante um espetáculo, em Las Vegas, quando Copperfield convidou Gavin Cox para subir ao palco e participar numa das suas conhecidas ilusões. O truque em questão chama-se “Treze” e consiste em fazer desaparecer treze elementos do público. O acidente com o chef de cozinha aconteceu nos bastidores, quando os assistentes do ilusionista o tentaram esconder. Cox tropeçou e bateu com a cabeça no chão, tendo sofrido um traumatismo craniano. Teve de ser submetido a duas cirurgias e afirma que ficou com lesões permanentes que já se traduziram em mais de 400 mil dólares em cuidados médicos.

O processo começou na passada sexta-feira, dia 14 de abril, mas o advogado do chef de cozinha, Benedict Morelli, já tinha revelado a intenção de tentar perceber como é que o truque é feito. Contudo, a manobra foi vista apenas como uma estratégia para conseguir chegar a acordo com o mágico fora dos tribunais, dado que se esperava que Copperfield não quisesse revelar o procedimento da ilusão em causa.

A verdade é que o segredo foi realmente revelado. Segundo o “The Guardian”, Chris Kenner, amigo e produtor do mágico, contou em tribunal como é feito um dos mais populares truques de David Copperfield. O ilusionista escolhe treze membros do público aleatoriamente para os fazer “desaparecer”. Nessa altura, ajudantes do mágico, com lanternas, ajudam os participantes a atravessar um caminho, entre cortinas escuras e com passagens desconhecidas, que os leva até ao exterior do edifício onde decorre o espetáculo. No fim, “reaparecem” todos no palco.

“Esse percurso é uma pista de obstáculos?”, questionou o advogado de Gavin Cox em tribunal. Benedict Morelli perguntou ainda ao amigo e produtor de David Cooperfield se era feita uma avaliação visual da condição física e do calçado dos membros do público escolhidos para participar no truque.

A acusação afirma que, antes do chef de cozinha cair, o grupo passou por um beco coberto com pó proveniente de trabalhos de construção. No entanto, Jerry Popovich, advogado do casino de Las Vegas, disse em tribunal que, 10 minutos antes da queda de Cox, Copperfield percorreu com segurança a mesma área, numa outra ilusão que não envolvia o público.

Gavin Cox e a esposa, Minh-Hahn Cox, querem uma indemnização cujo valor ainda não foi especificado.

Impacto na arte mágica Uma das características da magia é o efeito surpresa e a dúvida deixada no ar de como o truque pode ter sido feito. Será que a revelação do segredo de uma ilusão tão conhecida no mundo pode ter impacto na arte mágica? Para Luís Matos, conhecido ilusionista português, a revelação de truques só traz vantagens para o mundo da magia. “Quando falamos de um nível de criatividade, complexidade, talento e genialidade que revestem algumas ilusões como esta, se o público soubesse o verdadeiro modus operandi que está por trás não teria outro remédio senão admirar ainda mais a ilusão”, explica ao i.

O mágico diz conhecer bem a ilusão “Treze” feitas tantas vezes por David Copperfield, de quem é amigo. “O lado emocional e metafórico daquela criação artística é muito mais extraordinário do que saber se as cadeiras são falsas, se as pessoas são projetadas e apanhadas no ar, se saem por um alçapão, se saem disfarçadas de técnicos ou se vão para o túnel que as encaminha até fora do teatro. É pouco relevante”, afirma.

Luís de Matos defende que, muitas vezes, o desconhecimento do método como é feito um truque pode até ser negativo. “A magia estará sempre mais próxima de uma expressão artística quando o método não for um obstáculo entre o espetador e o espetáculo”, refere.

Mas e o efeito surpresa? Para o ilusionista português, isso não é o mais importante. “Se calhar por as pessoas acharem que é o mais importante é que admiram pouco a magia, porque pensam ‘não sei como é que ele fez isto, mas isto de certeza que é espelhos, alçapões, pessoas combinadas, imans ou controlo remoto’ e passam à frente. Se não existisse este preconceito relativamente a que o método é tudo, seguramente que estariam disponíveis e expostas a um conjunto de criações extraordinárias onde, às vezes, o método não é o mais espetacular”, indica.

Reconhecendo que não tem uma opinião muito comum na comunidade dos mágicos, Luís de Matos refere que “a revelação tem zero impacto”. “Não faz sentido desmascarar um mágico, uma vez que está claro na sua profissão – e às vezes até no seu discurso – que o que nós vamos fazer é assumidamente mentira. Portanto, não faz sentido nenhum que venha alguém dizer ‘eu acho que o que ele está a fazer é mentira’. É exatamente isso que torna a magia espetacular”, esclarece.