Carlos XVI Gustavo da Suécia foi obrigado a alterar os estatutos da academia real responsável pela atribuição do Prémio Nobel da Literatura desde 1901. Criada em 1786 pelo “rei do teatro” (Gustavo iii), os estatutos da academia sueca permaneciam inalterados desde então. Os 18 membros daquele comité gozam de um estatuto vitalício, e mesmo quando escolham abandonar as atividades, apenas passam à condição de inativos, dado que só com a sua morte podem ser substituídos.
Depois de um escândalo de abusos sexuais envolvendo o marido da poeta Katarina Frostenson, membro daquele organismo, ter levado a uma luta de poder no seu seio, houve mais quatro membros a afastarem-se, incluindo a secretária permanente, Sara Danius. Entretanto, o presidente da academia, Anders Olsson, fora já nomeado como “secretário permanente interino”, numa tentativa de ultrapassar a crise. O problema é que, contando com os outros dois membros inativos desde 1989 – em protesto por a academia se ter recusado a apoiar publicamente Salman Rushdie quando este foi alvo da fátua, após a publicação d’“Os Versículos Satânicos” -, restavam apenas 11 membros ativos, o que fica abaixo do quórum que é necessário para atribuir o Nobel da literatura.
“Tenciono introduzir emendas nos estatutos da Academia Sueca para que fique claro que os seus membros possam abandoná-la se o solicitarem”, disse ontem o rei da Suécia, abrindo margem, deste modo, à eleição de novos membros. Os cinco elementos daquele comité que se afastaram nas últimas semanas romperam com o habitual secretismo que envolve os trabalhos deste organismo. Isto aconteceu depois de, em novembro passado, Jean-Claude Arnault, o marido de Frostenson, ter sido acusado por 18 mulheres de abusos sexuais, tendo, em alguns casos, esses ataques ocorrido em apartamentos que pertencem à academia sueca. De acordo com as alegadas vítimas, a sua ligação e influência junto da academia terá sido instrumental na estratégia que Arnault usava para cometer os abusos.
O dramaturgo e fotógrafo francês, que se gabava de ser o 19.o membro do júri que atribuía o Nobel da literatura e que o “Le Monde” caracterizou como “uma personalidade cultural de primeiro plano na Suécia”, é também suspeito de ter por sete vezes quebrado o segredo quanto ao galardoado e de ter usado da sua influência junto do comité para que, em 2008 e 2014, os seus conterrâneos Le Clézio e Patrick Modiano fossem galardoados. Além disso, juntamente com a mulher, Arnault dirigia um clube exclusivo em Estocolmo, chamado Forum, que era frequentado pela nata da cena cultural sueca, com a parte de leão do seu financiamento a corresponder a subsídios da academia. No ano passado, e em resultado das alegações de abusos sexuais, o clube fechou portas. Arnault tem negado todas as acusações, e a procuradoria sueca que investigou o caso não formulou qualquer acusação, seja porque não encontrou provas, seja porque as situações alegadas tinham já prescrito.