Assad. Bombardeado mas vitorioso

Assad foi bombardeado por três das mais poderosos potências mundiais. No dia seguinte, celebrava vitória. 

Os mísseis americanos, franceses e britânicos destruíram os alvos do regime de Bashar al-Assad em minutos. Dois, afirmam os aliados ocidentais, que levaram dias a coordenar os seus meios no Mar Vermelho, no Golfo Pérsico e Mediterrâneo, mas, chegado o momento de atacar, o fizeram com precisão, rapidez e uma força aparentemente infalível. Participaram dezenas de meios. Cinco fragatas de mísseis, quatro americanas e uma francesa, um submarino e dois bombardeiros dos EUA, lançados, provavelmente, desde a grande base jordana, para além das dezenas de caças britânicos, franceses e americanos, alguns de combate eletrónico, para baralhar as defesas aéreas sírias e russas, para além das aeronaves de reabastecimento. A chuva de mísseis Tomahawk e de cruzeiro destruiu por completo as três instalações escolhidas para punir Bashar al-Assad pelo aparente ataque químico de 7 de abril nos arredores de Damasco. Dois de pequena monta:um bunker e um edifício construídos perto de Homs para armazenarem armas químicas. Outro, de grande envergadura: o centro científico de investigação de Barzah, nos arredores de Damasco, onde Assad parecia estar a reerguer o programa químico semi-abandonado nos finais de 2013 para evitar que Barack Obama interviesse militarmente contra a guerra civil. 

Os três alvos são hoje manchas de poeira nas fotografias de satélite tiradas ao longo da semana. Do centro de Barzah, antes um complexo com vários edifícios, sobreviveram talvez dois refrigeradores de ar condicionado. Em Damasco, porém, o regime celebrava. No domingo, a agência russa Interfax avançava que Bashar al-Assad se encontrava «bem disposto» e gracejava contra os mísseis ocidentais, dizendo ter abatido dezenas com dispositivos soviéticos. «Os filmes americanos vêm-nos dizendo desde os anos 90 que as armas fabricadas na Rússia são ‘atrasadas’. No entanto, hoje vemos quem é que de facto está atrasado», lançou o líder sírio, de acordo com um dos deputados russos com quem se encontrou no domingo. Assad falava dos relatos segundo os quais as baterias antiaéreas do regime abateram à volta de 60 mísseis ocidentais. A narrativa, longe de comprovada, parece fantasiosa. Isso não quer dizer que o ditador sírio não tivesse razões para estar feliz no domingo. O bombardeamento das três potências foi bem sucedido, mas pouco ousado. Não se viu a campanha de dias ou semanas de ataques contra as estruturas de Damasco. A mensagem é clara: americanos e europeus quiseram punir Assad pelo aparente ataque químico, mas não entrar numa guerra que o seu regime já venceu. 

Com efeito, os ataques aéreos da última semana nada fizeram para alterar o equilíbrio da guerra civil de sete anos. Subliminarmente, aliás, comprovaram que a solidez da coligação entre sírios, russos e iranianos é suficiente para dissuadir uma intervenção ocidental que ponha em causa o statu quo. Como se fossem necessárias provas, ao longo da semana, andavam os cientistas internacionais ainda por Damasco tentando encontrar a entrada para Duma (ver texto do lado), o regime aceitou a rendição de dois territórios rebeldes nos arredores da sua capital. Ao final da tarde de ontem, a Reuters avançava que Assad estava a ultimar acordos com mais dois enclaves armados a sul de Damasco que, a confirmarem-se, eliminarão de vez os resquícios de revolta próximos do centro de poder do regime. Pressionando o isolamento dos grupos a sul da capital, onde se encontram também combatentes do grupoEstado Islâmico, há anos embrenhados entre os milhares de refugiados palestinianos de Yarmouk, as bombas caíram com intensidade ao longo do dia. Assad, por outras palavras, está muito perto de garantir que a revolução, ou o que resta dela, é exportada  definitivamente para as zonas rurais do norte do país, em Idlib, para onde envia os autocarros com os milhares de combatentes, simpatizantes e familiares que aceitam as suas tréguas.  

Passados sete anos de guerra, já ninguém no ocidente exige a saída incondicional de Bashar al-Assad. A oposição armada é, na sua maioria, uma manta de retalhos mais ou menos extremistas. Rússia e Irão, por outro lado, não estão dispostos a abrir mão do seu ditador sírio. Teerão pagou demasiados milhões e comandantes da sua Guarda da Revolução para sair agora de cena. A Rússia quer também os dividendos de ter vencido a guerra por Assad. Trump, de resto, dá por estes dias mais indicações de que quer retirar da Síria os dois mil militares que enviou para combater um Estado Islâmico que já praticamente desapareceu. Os sauditas afirmaram esta semana que estão dispostos a revezar os americanos com tropas suas, mas a comunidade internacional duvida de uma sugestão que já tem anos e que parece impossível de concretizar dado o investimento de Riad na guerra do Iémen. Em Washington, Londres e Paris há vontade apenas que baste para punir supostos ataques químicos. Castigar o regime pelos ataques violentos que desde fevereiro mataram centenas de civis emGhuta Oriental, porém, já não faz parte do programa. As três potências não querem repetir o que aconteceu na Líbia e os espetros russos e iranianos são paralisantes. O Pentágono admite até que o ataque do fim de semana não eliminou por completo o arsenal químico de Assad e que o ditador é capaz de lançar novos ataques no futuro. Nas palavras do veterano correspondente do New York Times no Médio Oriente, Ben Hubbard: «Os bombardeamentos não se destinavam a derrubar Assad, atacar os aliados russos e iranianos que apoiam as suas tropas, ou proteger os civis de atos violentos. Na verdade, foram planeados meticulosamente e executados de maneira a não alterar a dinâmica global do conflito e evitar que os Estados Unidos se vejam ainda mais sugados para o seu interior.»