Paulo Rangel, 50 anos, Político (PSD)
“Lembro-me do dia 25 de Abril como se fosse hoje. Tinha seis anos, estava num colégio de freirinhas em Gaia, que foi ocupado por estudantes com 15 ou 16 anos do liceu de Gaia. O colégio, na altura, tinha os portões abertos. Quando chegou o meio-dia, o meu pai foi-me buscar a mim e a outros vizinhos, e as freirinhas estavam quietas, sem saber o que haviam de fazer. O meu pai foi, com outro pai, ao quartel da serra do Pilar falar com os militares, para irem lá ver o que se podia fazer aos estudantes porque não se conseguia tirá-los de lá e estavam a perturbar as aulas. E então vieram ao colégio vários militares e sentaram-se numa enorme escadaria que havia cá fora, e identificaram um a um os estudantes e telefonaram para os seus pais para que os fossem buscar. Além disso, a minha mãe acabou nesse dia de me bordar um pulôver preto com dois elefantes vermelhos e que eu ainda guardo hoje. Por um acaso, foi terminado no dia da revolução. Em casa, não se falava de outra coisa que não de política.”
António Filipe, 55 anos, Político (PCP)
“Eu tinha 11 anos e estava no segundo ano do ciclo preparatório. O que me lembro do dia é que os meus pais tinham sido avisados por volta das sete da manhã de que já estava a haver movimentações de tropas e, por isso, nesse dia já não fui à escola e fiquei em casa com o meu irmão e a minha mãe. Já o meu pai foi para a rua, ver. Nessa noite tenho a memória de ter assistido à proclamação da Junta de Salvação Nacional e depois percebi muito rapidamente o que tinha acontecido, com a evolução dos dias seguintes. Em minha casa não havia ninguém que tivesse uma atividade política, embora o meu pai antipatizasse com o regime. O que se ensinava às crianças, até aí, era que tinham de ter cuidado. E em março já tinha havido movimentações e, por isso, as pessoas já estavam alerta. Depois, mais tarde, tive uma grande vontade de participar e no ano letivo seguinte comecei a ir a reuniões da União dos Estudantes Comunistas (UEC), antes de haver a Juventude Comunista Portuguesa. E pronto, nunca mais parei, já lá vão 44 anos.”
Pedro Proença, 56 anos, Pintor
“Nesse dia acordei muito cedo, como era normal. Ia para a escola, mas saí até um bocado mais cedo para ir jogar basquetebol. Quando saí tinha a padeira e a leiteira a dizerem para não ir por aquele caminho, porque estavam umas coisas muito esquisitas a acontecer. Eu pensei, ‘ah, são doidas varridas’ [risos], e apanhei o elétrico em São Bento até à Ajuda, onde era a escola. Depois, a certa altura houve um outro miúdo que me disse ‘ah, andam para aí uns tanques nas ruas’. Eram sete e meia da manhã e eu não sabia de absolutamente nada. Quando cheguei à escola, estava completamente vazia e, normalmente, a essa hora já costumava ter gente. E então entrei um bocado em pânico e fui para casa do meu amigo mais próximo e passei o dia basicamente a fazer bandas desenhadas sobre uns vikings e assim. Ao mesmo tempo, íamos acompanhando tudo com entusiasmo na rádio. Lembro-me de me sentir preocupado com o facto de a minha mãe não saber de mim, os telefones não funcionavam e, provavelmente, estava preocupada.”
Paula Teixeira da Cruz, 57 anos, Política (PSD)
“Eu estava em Luanda e tinha 13 anos. Só soubemos no dia 26 de abril, mas lembro–me perfeitamente do entusiasmo que foi no meu liceu e nos outros. Foi uma espécie de junção inorgânica, porque fomos todos para os liceus uns dos outros. Ao contrário do que se podia pensar, nós, aos 13 anos, em Angola – sobretudo porque vivíamos um fim de império –, já tínhamos uma consciência muito profunda de que queríamos a independência do país. Os livros circulavam e comecei a ler coisas que depois, mais velha, voltei a ler. Em casa era um tema absoluto: os meus pais sabiam perfeitamente que era uma época de fim de império. Por outro lado, nos liceus já havia muitas manifestações de rebeldia, ao contrário do que acontecia em Portugal, onde havia uma menor discussão, talvez porque a repressão fosse maior. Quando voltei para Portugal senti um grande preconceito em relação às pessoas que voltavam de África – eram os retornados, mas nós não éramos retornados, não tínhamos nascido cá – e viemos encontrar uma tacanhez geral, desde a forma de vestir aos comportamentos, etc.”
Manuel João Vieira, 55 anos, Pintor e Músico
“Pá, no 25 de Abril lembro-me de a minha mãe estar colada à rádio e depois foram levar-me a casa de uma amiga e deixaram-me lá para irem para o Largo do Carmo ou uma coisa assim, assistir a tudo. Eu sabia perfeitamente o que estava a acontecer nas ruas. Fiquei fechado nessa casa com a minha amiga e fui fechar uma janela. Só que, em vez de fechar a janela pela madeira, fechei pelo vidro e fiz um enorme golpe no pulso. Ainda tenho hoje uma cicatriz, levei não sei quantos pontos. Mais tarde, a minha mãe veio buscar-me e depois fui para o hospital. Lembro-me de muito pouco, as minhas memórias têm mais a ver com estar muito aflito com o que me tinha acontecido. Lembro-me de ver os tendões a mexer dentro do braço e de estar com suores frios e assim. Depois de isso acontecer, deixei de ligar ao que estava a acontecer lá fora.”
Miguel Ângelo, 52 anos, Músico
“Tinha oito anos e lembro-me de estar em casa dos meus pais com o meu irmão, que é ligeiramente mais velho do que eu. Sabíamos que não havia escola e tínhamos ficado muito contentes. Depois lembro-me de que se falou que havia uma revolução e ficámos ainda mais contentes, porque para nós uma revolução significava que os gelados iam ficar mais baratos. Uma coisa que não veio a acontecer, infelizmente. [risos] Lembro-me também de que fomos depois todos reunir-nos em casa da minha avó. Nos dias seguintes lembro-me que tentámos ir ao 1.º de Maio, ao Terreiro do Paço, e que as pessoas foram todas enfeitar os capôs dos carros com flores e plantas do Guincho – foi o que toda a gente fez. Tenho ainda uma memória visual de chegar ali tipo à 24 de Julho, já ao pé da Infante Santo, e não conseguirmos avançar mais, tal era o trânsito e a loucura. Foi o primeiro 1.º de Maio a seguir à revolução e foi decretado feriado, e estava toda a gente a querer ir à festa.”
Heloísa Apolónia, 48 anos, Política (Os Verdes)
“Tinha quatro anos na altura, mas ainda assim há uma coisa de que me lembro bem nesse dia. É um aspeto que se calhar não tem muito a ver com os valores de Abril [risos], mas enquanto criança foi especial. Eu tinha ido à escola – vivia no Montijo e era lá que tinha escola – e o refeitório estava dividido em duas partes. Uma tinha mesas mais pequenas, onde comiam os meninos do pré-escolar – onde eu me incluía, na altura –, e a outra tinha as mesas maiores, que eram para os meninos da primária. O que eu tenho como memória é o meu pai, com um amigo dele, virem à escola na altura da refeição para nos pedirem a mim e ao meu irmão, e aos dois filhos do amigo do meu pai, para nos mantermos sempre juntos. Disseram-nos que depois, mais tarde, nos vinham buscar. E então o 25 de Abril para mim foi um dia maior, porque eu comi na mesa dos grandes. [risos] Não fazia a mínima ideia do que se estava a passar, mas para mim foi um dia de libertação da minha infância.”
Fernanda Fragateiro, 56 anos, Artista plástica
“Tinha 11 anos, vivia no Montijo, e nesse dia tinha uma operação cirúrgica para tirar o apêndice, às nove da manhã. A minha mãe acordou-me pelas sete da manhã para me preparar e lembro-me de que ela estava muito nervosa porque não se sabia bem o que se estava a passar, e ouvia-a falar com o meu pai e outras pessoas e temia-se que estivesse a haver um golpe de direita, ou seja, de um grupo ainda mais à direita do Marcello Caetano. Fomos a pé para o hospital, não sabíamos se ia ser operada ou não porque os médicos tinham de vir de Lisboa e atravessar o Tejo, e não sabíamos se havia barcos… Mas às nove houve mesmo a cirurgia. Adormeci a viver no regime ainda fascista e quando acordei da anestesia já vivia num país livre, porque tinha havido uma revolução. Quando acordei apercebi-me logo do que tinha acontecido. No meu quarto, que era de duas pessoas, estava uma senhora de 30 e tal anos que era uma ativista ligada ao PCP, e então, durante uma semana de internamento, aprendi aquilo que se aprende em anos.”
José Manuel Pureza, 59 anos, Político (BE)
“Eu tinha 15 anos e lembro-me de ter passado horas de grande expetativa no dia 25 de abril. Estava em casa de um amigo e ele tinha irmãos mais velhos, que já tinham uma consciência política mais viva. Lembro-me de que a nossa preocupação era ouvir rádio para saber o que era em concreto aquela revolução e o que se estava a passar. Quando ouvimos canções do Zeca Afonso e do Sérgio Godinho, houve um grito de alegria e entusiasmo naquela casa. Depois, à noite, as imagens do povo de Lisboa na rua, no Carmo, foram marcantes para mim. Foi toda uma circunstância de alegria muito grande. Em casa, nos dias seguintes, discutíamos tudo aquilo que era imaginável para um país que estava a mudar a cada hora que passava. Foram dias de muita descoberta, ainda para mais para um adolescente como eu.”