O Bloco de Esquerda acusou ontem o governo de ter mudado a sua estratégia orçamental. No debate em plenário acerca do Plano Nacional de Reformas e do Programa de Estabilidade e Crescimento [PEC], que amanhã irá a votos, a deputada Mariana Mortágua atirou duras críticas ao ministro das Finanças.
Após a intervenção de Mário Centeno, a deputada do Bloco de Esquerda deixou claro: “O que o Bloco de Esquerda contesta é a mudança de um governo que sempre disse que a prioridade era a recuperação dos rendimentos e do investimento nos serviços públicos dentro das metas do défice.”
Para Mortágua, era essa prioridade do governo que servia como “base do compromisso político” com o Bloco de Esquerda”, com a maioria parlamentar à esquerda e com as pessoas “que ainda não viram a total reversão do brutal aumento de impostos de Vítor Gaspar”.
Dentro desse leque de pessoas, a parlamentar deu exemplos, como aquelas que levantam um recibo de reforma “menor em 2018 do que era em 2010” e “os utentes do Serviço Nacional de Saúde” que ainda têm “os serviços degradados” e com “falta de pessoal”.
Essa base, essas pessoas, esse compromisso político, continuou Mortágua, foram a base “que o governo mudou quando mudou a estratégia orçamental”, adiantando “investimentos que eram importantes hoje”.
“Como é possível ser em nome das metas de Bruxelas? Como é que a meta de 1,1% era compatível com os objetivos de consolidação orçamental, mas quatro meses depois já não é?”, questionou ainda a deputada, que considera que “adiar agora investimento necessário não é boa gestão orçamental”, mas antes uma “má gestão de recursos públicos”.
Na opinião do Bloco, Portugal deveria “aproveitar um contexto de juros excecionalmente baixos” precisamente para realizar esses investimentos.
À pergunta matricial de Mortágua – “porque é que, durante dois anos, tendo uma folga nas contas públicas, escolheu adiar investimentos cruciais para o país indo além das metas negociadas com Bruxelas” –, Centeno responderia que “não houve nenhum adiamento” de investimento.
“A despesa prevista no PEC de há um ano concretizou-se em mais de 99%. Toda a despesa foi executada, incluindo os objetivos no investimento”, assegurou o ministro e presidente do Eurogrupo.
Sobre o argumentário dos juros, Centeno foi igualmente inflexível. “Ninguém controla o pagamento de juros e a taxa de juro que enfrenta”, considerou. Para o governante socialista, é preciso gerir esse dossiê “de forma equilibrada e cautelosa”, incorporando “essas excelentes notícias para o nosso exercício orçamental”. E Centeno deseja desenhar esse exercício orçamental sempre numa lógica de “garantir uma dimensão de futuro” e de “sustentabilidade”.
“Não há nenhuma meta com Bruxelas. Os objetivos que temos estabelecidos no PEC são exatamente os mesmos que estavam inscritos no programa de governo. O que é novo neste ciclo político é que as contas batem todas certas”, defendeu Mário Centeno.
Mas o Bloco, três Orçamentos do Estado depois, já não está disponível “para fazer brilharetes em Bruxelas enquanto os serviços públicos sofrem”. Resta ver se essa indisponibilidade dura até ao próximo Orçamento que Centeno levará à assembleia – o último da legislatura corrente, para o ano de 2019.
Na sua intervenção principal, o ministro das Finanças de António Costa manteve o equilíbrio entre boas notícias e bom comportamento. Da queda do desemprego, aplaudida pela esquerda, à queda do endividamento público, também defendida pela direita, Centeno não tem amigos em nenhum dos lados, mas a verdade é que tem argumentos que ambos os lados defenderiam no seu lugar. A sua vantagem é conseguir gerir os dois – Bruxelas e geringonça – sempre com a pergunta fatal em cima da cabeça (até quando?) mas com o tempo sempre a passar apesar dessa pergunta. Afinal, já passaram quase três anos.
E o ministro gosta de relembrar o conseguido desde então: “reposição de rendimentos”, “melhoria de salários e direitos”. “Em percentagem, nenhum outro país teve uma redução tão grande dos juros no último ano”, salientou Centeno. “Desde 2015, foram criados mais 250 mil empregos, com melhor qualidade, sendo 85% dos contratos permanentes”, defendeu o ministro, armado com estatísticas sorridentes.
O “capital de credibilidade” é do governo “e de quem apoiou o governo”. Mas quem apoiou o governo preferia investi-lo noutro sítio.