Como alterar o processo de doação de gâmetas para garantir que as crianças nascidas de tratamentos de fertilidade em Portugal passem a poder saber a identidade civil dos dadores e o que fazer com os embriões criopreservados que tenham resultado da dádiva de ovócitos ou espermatozóides são algumas das questões sobre as quais deverá debruçar-se hoje o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, que regula os tratamentos de fertilidade no país, tanto no setor público como no privado. As consequências do acórdão do Tribunal Constitucional que, além de declarar inconstitucionais normas que permitiam o recurso às chamadas barrigas de aluguer, coloca um fim ao anonimato da doação, serão objeto de análise numa reunião plenária que já estava marcada para esta sexta-feira.
O encontro começa pelas 10 horas e deverá resultar num conjunto de indicações aos centros de tratamento e numa posição pública sobre o acórdão. “Só após a análise, ponderação e discussão das seus efeitos e implicações emitirá uma posição oficial sobre o mesmo”, indicou ao i o conselho nacional.
O i tentou perceber ontem junto dos três hospitais que recebem dádivas para o banco público de gâmetas que procedimentos vão ser alterados, mas não houve resposta até à hora de fecho. Já o Ministério da Saúde, questionado sobre se serão para já interrompidas as colheitas ou alterado algum procedimento, informou “estar a aguardar o conhecimento integral do documento do TC para implementar as suas decisões”.
5000 embriões congelados De acordo com as estatísticas mais recentes do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, em 2015 nasceram em Portugal mais de 300 crianças de gestações que resultaram de tratamentos que envolveram ovócitos ou espermatozóides doados.
Ao todo os tratamentos de procriação medicamente assistida, que ainda assim na maioria das vezes são intraconjugais, resultaram em 2015 em 2504 nascimentos, 2,9% do total de crianças nascidas no país. Número com tendência a aumentar, uma vez que, no ano passado, passou a ser permitido a mulheres solteiras ou casais de mulheres recorrerem a tratamentos de fertilidade, nomeadamente a inseminação intra-uterina com sémen de dador. Até às alterações da legislação em 2016, apenas casais em união de facto ou casados e com problemas de infertilidade podiam ter acesso aos tratamentos de procriação medicamente assistida.
Já no que diz respeito aos embriões criopreservados, os últimos dados disponíveis são referentes ao final de 2016. Nessa altura, dos 25.158 embriões criopreservados no país, 5468 tinham resultado de ciclos com ovócitos de dadora ou espermatozóides de dador. A maioria era proveniente de ciclos com ovócitos de dadora.
Depois do antigo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida ter mostrado preocupação com o fim do anonimato, temendo uma redução dos dadores, também a Associação Portuguesa de Fertilidade se mostrou incrédula com a decisão do Tribunal Constitucional. “Há milhares de casais em Portugal que necessitam da doação de gâmetas para serem pais. Estes tratamentos realizam-se há anos e sem qualquer celeuma. E é óbvio que as pessoas só são dadoras porque têm a garantia de anonimato total”, disse a presidente da associação, Cláudia Vieira.
PSD e CDS congratularam-se com a decisão do Tribunal Constitucional. Ontem também os partidos manifestaram abertura para fazer alterações à lei de gestação de substituição de forma a definir um quadro legal constititucional. O CDS, que suscitou a fiscalização sobre a constitucionalidade da legislação em torno da gestação de substituição, já disse que não apresentará uma proposta sobre esta matéria.
Marcelo Rebelo de Sousa, que após um veto inicial promulgou a legislação alterada no parlamento, ainda não se pronunciou sobre a decisão do TC.