Marítimo – FC Porto. A abracadabrante tarde do grande Siska

Um dos jogos mais estranhos entre os dois clubes foi no Campo Grande, em 1926. Na meia–final do Campeonato de Portugal, os madeirenses venceram por 7-1 com o guarda-redes portista a ser dos melhores em campo.

A coisa foi feia. Para o FC Porto, claro está! Para o Marítimo, foi linda!

Nessa altura, a imprensa tratava geralmente o Marítimo por Funchal. Influências da geografia. Repare-se neste pedaço de prosa referente às meias-finais do Campeonato de Portugal de 1926: “Apurados este ano os clubes campeões de cada região, ficaram para as meias-finais os mais classificados: Viana, Braga, Santarém, Faro, Aveiro, Coimbra, Portalegre – sucumbiram perante Lisboa, Porto e Algarve. O Funchal estava apurado por sua natureza.”
Mais geograficamente era impossível.

A natureza do Funchal era a natureza da sua insularidade. Neste caso, com vantagens em vez de desvantagens. O campeão da Madeira tinha acesso direto às meias-finais sem precisar dos embaraços inerentes às eliminatórias anteriores.

Seguia a Marinha! E o Marítimo…Na primeira meia-final, disputada no Porto, o Belenenses bateu o Olhanense por 2-1.

“E em Lisboa, o campeão do Funchal (Marítimo) bateu o campeão do Porto (Foot Ball Club) por 7-1, espantosamente!”
Claro que espantosamente.

Afinal, o Foot Ball Club vencera a prova um ano antes. Estava a defender o seu título. Que mal o defendeu.

Espanto “Dos jogos de ontem só lhe há a dizer que o Funchal, na primeira parte, sofreu a primeira bola de Hall, belo jogador portuense, mas logo a seguir enfiou três.”

O espanto viria a seguir. “Vitória irredutível e irrespondível do Funchal, que tem dois ou três internacionais na sua linha.”

Hall era um belo jogador do FC Porto, mas Siska não lhe ficava atrás. Nascera em Budapeste, na Hungria, fora guarda-redes do Vasas. Ficou ligado a episódios misteriosos que lhe minaram a carreira: chegou a constar que fazia espionagem a favor dos ingleses no período que antecedeu a iiGuerra Mundial e que foi perseguido pela polícia política.

Essa tarde foi um pesadelo para o grande Siska.
“O guarda-redes do Porto, Siska, húngaro, é formidável. Mas teve de ceder… sete vezes.”

O jogo foi no Campo Grande, em Lisboa.

Havia a ideia de que os madeirenses estavam muito bem formados nas estratégias do futebol. Afinal, fora na Madeira, na Camacha, que se disputara o primeiro jogo em território nacional e havia um grande número de ingleses na ilha que iam passando os seus conhecimentos sobre uma matéria que tinham inventado.
Depois, o Funchal, para usar a nomenclatura desse tempo, tinha jogadores de inequívoca arte. A começar por António Teixeira, mais conhecido por Camarão.

E tinha igualmente um húngaro à baliza: Francisco Ekker.
Hall fez o 1-0 para o FC Porto, como vimos. De pouco lhe serviu. Manuel Ramos impôs a igualdade pouco depois. E os madeirenses abriram a torneira firme da água dos golos: 2-1 por António Alves; 3-1 por António Alves; 4-1 por Camarão; 5-1 por António Alves; 6-1 por Manuel Ramos; 7-1 por António Alves.
António Alves: o terror de Siska.

Parece que Siska ainda foi capaz de mais um punhado de defesas assombrosas. Ele era mesmo assim. Até quando perdia de modo atroz, como nessa tarde do Campo Grande.
Júlio Cardoso e Pedro Temudo, os centrais portistas, estavam devastados. Os rapazes que tinham vindo da Madeira saltavam e pinoteavam de alegria. Sentiam que o título de campeão de Portugal estava ali ao estender da mão. Afinal, quem vencia desta forma os tão categorizados jogadores do Foot Ball Club tinha direito a total crença. Eram os favoritos!

Campeões A imprensa estava globalmente de acordo. “Quando dizemos que o Funchal deve ganhar o Campeonato de Portugal, partimos do princípio de que os Belenenses não se aguentarão facilmente com um grupo que venceu o FCPorto por 7-1, sabido, como é, que o Porto, mesmo em tarde tão infeliz, não conseguiria nunca perder com Lisboa por tão grande diferença, imprópria de clubes de campeões experimentados e tendo em conta que Siska é muito grande jogador!”
A final estava marcada por um problema recorrente do futebol português até aos dias de hoje: “Não se sabe ainda quem será o juiz de campo. Há uma grande dificuldade em escolher um juiz à altura e Ilídio Nogueira, que é o ‘az’ dos juízes, por ser de Lisboa, não está naturalmente indicado.”

Para os jogadores do Marítimo, tanto fazia. Estavam a uma hora e meia do maior feito da sua história e não iriam ficar agarrados a mesquinhices arbitrais. Foram a campo com alma infinita e lançaram-se sobre os azuis com a gana dos Leões da Almirante Reis.

O encontro disputou-se no Campo do Ameal, no Porto, e estavam há duas semanas consecutivas no Continente, que as viagens desse tempo não se faziam como as de agora. Aos 35 minutos falharam um penálti. Não se deixaram abater pelo deslize. José Fernandes e José Ramos fecharam o resultado: 2-0. O capitão do Belenenses, Augusto Silva, foi expulso. Recusou-se a sair.
O árbitro acabou aí o jogo.