A mudança radical e politicamente mais relevante que está a acontecer debaixo do nosso nariz é a limpeza abrupta da ‘maquilhagem esquerdalha’ do PS, primorosamente retocada com a ascensão de António Costa ao poder interno e reforçada com a constituição da geringonça.
Muito antes das circunstâncias o terem permitido chegar a primeiro-ministro com o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP – numa jogada que suscitou a surpresa geral já que ninguém acreditava que BE e PCP se submetessem a um Governo comprometido com as regras draconianas da Europa – Costa tinha ficado com a fama e o proveito de ser mais à Esquerda do que António José Seguro. A famosa frase que um dia Costa lançou sobre o ex-secretário-geral do PS, serviu de leitmotiv fundamental quando se tratou de conquistar o poder interno: «Se pensarmos como a Direita acabamos a governar como a Direita». Era preciso mudar, e o caminho, defendia Costa na época, era à Esquerda.
Apesar de ter consigo grande parte da ‘tralha socrática’ – todos aqueles que estiveram ao lado do antigo primeiro-ministro que sempre foi centrista – Costa teve como tropa de choque para a sua ascensão à liderança os ‘jovens turcos’ que, esses sim, genuinamente defendiam que o PS deveria virar à Esquerda e dialogar com a Esquerda. E, muito antes de Costa decidir avançar contra Seguro, já estavam descontentes com alguma complacência de Seguro perante o Governo anterior.
Tudo mudou. No último congresso em Lisboa Bloco e PCP foram aplaudidos como nunca se vira. É agora duvidoso que isso aconteça. Costa vai aproveitar para fazer o seu congresso centrista e provavelmente Francisco Assis, que se rebelou sempre com o diálogo com comunistas e bloquistas e defendeu o PS ao centro, ainda será aplaudido de pé na Batalha.
Ficou provado que Costa só fez a geringonça para chegar ao poder. Agora, tem uma opção mais fácil de pôr de pé: sem maioria absoluta, pode associar-se a Rui Rio, cujo projeto eleitoral é ser muleta de um Costa minoritário. «Vamos ver se o Governo do PS não está a preparar as condições para que a direita regresse ao poder mais depressa do que ela própria pensa num contexto de descontentamento dos portugueses», disse um destes dias o comunista e líder da CGTP Arménio Carlos. O homem é capaz de estar cheio de razão.