1.O Presidente Barack Obama, apesar da sua boa vontade e do carisma de estrela de cinema, cometeu múltiplos erros em termos de definição/execução das prioridades de política externa norte-americana: a (integral) verdade sobre a história, antecedente e imediatamente subsequente, do acordo ainda está por contar. O que já parece irrefutável é que o mundo ficou pior após a celebração de tal acordo – ou, pelo menos, numa visão mais optimista, melhor não ficou.
Porquê? Porque é um acordo tecnicamente mal elaborado, mal negociado e que só serviu para legitimar politicamente as pretensões de afirmação política do regime de Teerão. Ora, tal afirmação passará inevitavelmente pelo desenvolvimento de um programa de armamento nuclear que garanta ao Irão uma supremacia incontestável (e incontestada) naquela região do globo – e, consequentemente, influência política internacional.
2.Neste sentido – e o Presidente Barack Obama não o percebeu ou o não quis perceber -, o acordo celebrado com os EUA (e com parte da Europa a aplaudir) representou para o regime fundamentalista de Teerão um passo atrás para dar dois à frente – ou seja, dar a ideia de que recuava no projecto de desenvolvimento de armamento nuclear (o designado “projecto Amad”, na sua versão originária ou mais sofisticada dos últimos anos) para avançar, secretamente e sem estar nos radares das potências ocidentais, com um projecto de poder ainda mais ambicioso (e perigoso) de construção do que os responsáveis iranianos consideram ser um novo “Império Persa”. Nós temos descrito esta estratégia do Irão como a utilização do “soft law” para efeitos de reforço do seu “outlaw”.
Explicamos: o regime fundamentalista religioso utiliza o “soft law” – instrumentos do Direito Internacional Público, para os quais inexiste mecanismo coercitivo para sancionar a sua violação – para se colocar fora das regras e obrigações ditadas pela comunidade internacional, indo para além ou para fora do Direito (“outlaw”). É um caso que expõe de forma clara as contradições do Direito Internacional Público – por vezes, instrumentos como os Acordos e Tratados internacionais, em vez de aprofundarem o respeito pelos valores e regras fundamentais da comunidade internacional, acabam somente por legitimar pretensões expansionistas e de desestabilização regional de potências que preferem o ódio à paz. Que preferem a intimidação ao diálogo.
3.Ora, o Acordo com o Irão assinado pelo Presidente Obama melhorou a segurança regional e internacional? A resposta é negativa: o Acordo não prevê mecanismos de “compliance” e de inspecção que permitam – com rigor e correcção – controlar se o regime de Teerão se encontra, de facto, cumprir os termos do Acordo. O Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, provou, na passada segunda-feira, que o regime de Teerão anda a enganar a comunidade internacional há anos, inclusive, quanto aos pressupostos essenciais das negociações que conduziram ao compromisso de limitação do seu programa de desenvolvimento nuclear em troca de dinheiro (dinheiro vivo e fim das sanções económicas e financeiras).
Alguém acredita – racional e honestamente! – que quem mente antes do Acordo, passa a dizer a verdade, a colaborar de boa fé, em termos transparentes, com a comunidade internacional após a entrada em vigor do Acordo? Claro que não – colocando-se agora a questão de saber como se poderá apurar a (real) extensão das ambições nucleares.
Poderá ter havido um ligeiro abrandamento na execução da estratégia nuclear iraniana – todavia, resta saber se tal abrandamento é 1) real, não meramente aparente; 2) se é efectivo e não estratégico. Não deixa de ser sintomático que o argumento avançado pela maioria dos defensores da manutenção do Acordo com o Irão seja o de que a sua cessação se poderá tornar numa situação pior do que a manutenção do actual estado da arte, que já é terrível!
Ou seja: não acabemos com o Acordo porque poderemos gerar uma situação mais terrível do que o terrível Acordo! Inacreditável – isto é o cúmulo da irresponsabilidade que as potências ocidentais (por via dos seus políticos) mais uma vez revelaram, em grande medida motivadas por questões de política nacional (leia-se: eleitorais) contingentes.
4.Até porque o interesse da França e da Alemanha na manutenção do acordo com o Irão em matéria de desenvolvimento de energia nuclear para fins militares não se prende com o reforço da segurança internacional: antes, tem que ver com interesses de índole económico-financeira.
Note-se que o Presidente Macron tem como um dos seus objectivos de política externa o reforço das relações francesas com o Irão, tendo já recebido o Presidente do Irão e fechado uma série de negócios envolvendo empresas francesas para desenvolvimento de projectos e entrada de produtos em solo iraniano. Recentemente, Macron deslocou-se a Teerão, fazendo aí novamente juras de amor aos líderes políticos iranianos: prometeu que a nova fase das relações entre a França e o Irão era para manter e até aprofundar.
Percebe-se: as relações comerciais entre a França e o regime de Teerão cresceram exponencialmente após a celebração do Acordo – até a loja de maquilhagem feminina “Sephora” conseguiu implantar-se no mercado iraniano.
5.O mesmo sucede com a Alemanha: os grupos bancários e financeiros alemães pretendem expandir-se para o Irão, acompanhando, aliás, marcas que já estão lá implantadas como a Mercedes e a Adidas. Isto para além do petróleo e gás natural que são vendidos pelo Irão às duas maiores potências europeias.
Neste contexto, o pior que poderia suceder a Macron e a Angela Merkel era ter de optar entre o compromisso com o aliado norte-americano e o discurso (fingido) da “Europa dos valores”, sancionando o perigo das ambições nucleares do Irão; ou as suas prioridades de diplomacia económica e o papel central que querem dar ao Irão, numa lógica de isolamento de Israel (Macron e Merkel acham que Israel é um aliado dos EUA, não havendo aí margem para um protagonismo europeu) e da “nova” Arábia Saudita.
6.Mais uma vez, o discurso do politicamente correcto, aliado à vontade de resolver problemas à pressa, sem a suficiente reflexão crítica, deu asneira: o Presidente Barack Obama criou um “monstro” chamado “Iran Nuclear Deal” que será difícil de solucionar na íntegra.
7.Exige-se, antes de mais, bom senso e capacidade de negociação. Este é o tempo para ser duro (“time to get tough”, recorrendo ao título do livro do Presidente Donald Trump, publicado em 2012), de forma a garantirmos que o imperativo de segurança internacional será, efectivamente, salvaguardado – e a luta contra o terrorismo seja levada a sério. Por onde começar? Bom, o primeiro passo será, muito previsivelmente, dado já no próximo 12 de Maio.